As conclusões de ‘CPI’ que acusa Trump de orquestrar ‘tentativa de golpe’ com invasão do Capitólio
- Anthony Zurcher e Jude Sheerin
- Da BBC News em Washington
O ex-presidente americano Donald Trump foi acusado por uma comissão parlamentar de inquérito de ter orquestrado a invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021 numa “tentativa de golpe”. A acusação foi feita na primeira sessão televisionada da investigação realizada ao longo de 11 meses, num evento sem precedentes na política dos Estados Unidos.
Segundo investigadores, Trump fez acusações de fraude na eleição de 2020 sabendo que elas eram falsas e incitou manifestantes a agirem de forma violenta com objetivo de dar um golpe de Estado.
Políticos do Partido Democrata (do presidente Joe Biden) e dois do Partido Republicano (de Trump) que integram o comitê de investigação têm insistido que é importante apresentar o trabalho de apuração à população americana, tanto para fins de registro histórico quanto para estabelecer as bases de ações legislativas que possam proteger a democracia de futuros ataques.
Mas o restante do Partido Republicano, por outro lado, considera a investigação um espetáculo partidário, enviesado e sem legitimidade que visa a desviar a atenção da população da inflação crescente e da eleição deste ano que pode tirar os democratas do comando da Câmara e do Senado.
Para Trump, o comitê promove uma “farsa política”.
Com transmissão em horário nobre das três maiores redes de TV aberta, além de todos os canais fechados de notícia (exceto a Fox News), os americanos podem ter uma grande oportunidade de tirar suas próprias conclusões sobre as acusações e as refutações.
Acusações contra Trump
Se havia alguma dúvida de que o presidente do comitê, Bennie Thompson (Partido Democrata), considera Trump pessoalmente responsável pelo ataque ao Capitólio dos EUA, isso foi respondido logo na abertura. O então presidente, disse Thompson, “estava tentando impedir a transferência pacífica de poder”.
E acrescentou: “Donald Trump estava no centro dessa conspiração”.
São palavras fortes, mas agora o comitê tem que apresentar provas que fundamentem essa acusação grave.
Essa talvez seja a grande dúvida em torno da investigação: há evidências concretas da participação de Trump na invasão ao Capitólio, ato violento que deixou quatro mortos e mais de 100 policiais feridos? Se sim, é bem provável que o comitê recomende que o ex-presidente seja investigado por crimes.
Caso isso ocorra, caberá a órgãos como o Departamento de Justiça dos EUA decidirem se seguem com a investigação ou não. Mais ou menos como ocorre com as Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) no Brasil.
Acusações sem provas de fraude eleitoral feitas por republicanos
Antes que o comitê de congressistas consiga provar que Trump intencionalmente subverteu a transferência pacífica de poder para Biden, o grupo tem que provar primeiro que o então presidente estava espalhando informações falsas de forma deliberada (e não porque achava que tinha razão).
Para isso, a vice-presidente do comitê, Liz Cheney (Partido Republicano), não tentou refutar todas as alegações específicas que Trump e seus apoiadores fizeram, sem provas, contra a lisura do resultado eleitoral.
Em vez disso, a congressista simplesmente relatou e reproduziu depoimentos em vídeo dos próprios assessores de Trump confirmando que os resultados das eleições eram sim válidos (diferentemente do que eles afirmaram à época).
“Aqueles que invadiram nosso Capitólio e lutaram por horas contra a aplicação da lei foram motivados pelo que o presidente Trump lhes disse: que a eleição foi roubada e que ele era o presidente legítimo. (…) O presidente Trump convocou a multidão, reuniu a multidão e acendeu a chama deste ataque”, disse Cheney.
Em um vídeo considerado fundamental para os investigadores, o então procurador-geral William Barr da gestão Trump contou como ele usou um palavrão desdenhoso para dizer ao presidente que sua fraude eleitoral generalizada não tinha fundamento.
“Não podemos viver em um mundo em que o atual governo permaneça no poder com base em sua visão, sem apoio de evidências específicas, de que houve fraude na eleição”, disse o ex-procurador-geral.
Cheney estava, na prática, acusando e tentando condenar Trump com as palavras de sua própria equipe. Vale lembrar que o ex-presidente continua afirmando sem provas que houve fraude na eleição de 2020, quando foi derrotado por Biden.
Além disso, mais de 30 milhões de americanos (sendo quase 70% dos republicanos) acreditam na mesma coisa. Historicamente, entre 30% e 40% dos eleitores americanos afiliados ao partido perdedor em uma dada eleição presidencial tendem a contestar a lisura do pleito.
Outro momento de impacto ocorreu quando Cheney leu um relato que afirmava que Trump, ao ser informado de que manifestantes queriam enforcar o vice-presidente Mike Pence por se recusar a barrar o processo eleitoral, sugeriu que seu vice “merecia”.
Câmeras de segurança, de jornalistas e manifestantes registraram o passo a passo dos atos: a depredação na sala da presidente da Câmara, enquanto seus auxiliares se escondiam; o avanço dos manifestantes que gritavam “enforquem Mike Pence”, enquanto o então vice-presidente e sua família eram levados para um esconderijo seguro no prédio; o desespero de parlamentares que se lançaram ao chão de um dos plenários, cercado por manifestantes; os atos heroicos de agentes de segurança que chegaram a, sozinhos, conter e dispersar dezenas de invasores.
Mais de 700 pessoas foram presas e indiciadas por crimes como invasão e destruição de propriedade pública e lesão corporal a policiais. Cerca de 70 já foram julgadas e 31 delas – entre as quais Jacob Chansley, que ficou conhecido mundialmente pelos adornos de chifre que usava enquanto desfilava pelas salas congressuais — cumprem pena em cadeias pelo país.
A audiência do comitê transmitida em horário nobre na TV foi anunciada como algo diferente de um evento comum do Congresso americano. Em vez de congressistas monopolizando o microfone, desta vez o evento foi realizado por meio de videoclipes e provas materiais com o objetivo de contar uma história poderosa.
Não começou exatamente assim. Embora Thompson tenha mantido seus comentários bastante breves, Cheney — uma republicana que entrou em guerra com seu próprio partido — falou em tom monótono por quase meia hora.
Embora as acusações fossem sérias e graves, as palavras se acumulavam em longos parágrafos, listas numeradas e declarações expositivas.
E foi só quando o comitê exibiu um vídeo extenso do ataque — composto principalmente de imagens de câmeras de segurança e policiais, intercaladas com trechos de discursos e tuítes de Trump — que o drama dos eventos de 6 de janeiro de 2021 se tornou visceral, e não mais cerebral.
Quando a exibição do vídeo acabou, a sala de audiência continuou em silêncio. Muitos membros do Congresso assistiram ao material próximos a convidados como familiares emocionados de policiais que morreram durante e depois dos ataques.
Depoimentos da filha e do genro de Trump
A comissão soma até agora mais de mil depoimentos como parte de sua investigação. Mas três dessas entrevistas — com dois filhos de Trump, Ivanka e Donald Trump Jr., e um genro, Jared Kushner — eram bastante esperadas. E na noite de quinta-feira (9/6), o público viu pela primeira vez, ainda que de forma breve, o que dois deles tinham a dizer.
No trecho do depoimento exibido, Ivanka Trump disse que não tinha motivos para duvidar do então procurador-geral William Barr quando ele disse que seu pai havia perdido a eleição. Para Kushner, eram “lamúrias” as ameaças dos advogados da equipe jurídica de Trump de se demitir em protesto contra o que consideravam ações “ilegais e infundadas”.
O filho mais velho de Trump, por outro lado, não apareceu durante a audiência.
Outros vídeos podem vir a ser apresentados em audiências futuras, mas se os espectadores esperavam um conflito familiar entre a família Trump, não foi isso que ocorreu até agora.
Emoção em primeira pessoa
O comitê teve apenas duas testemunhas em depoimentos presenciais durante a primeira audiência: o documentarista Nick Quested e a policial do Capitólio Caroline Edwards.
Enquanto o primeiro forneceu algumas informações sobre os preparativos que o grupo de extrema-direita Proud Boys fez antes do ataque ao Capitólio, foi Caroline Edwards quem deu poder ao processo com seu emocionado relato pessoal.
Ela falou sobre a multidão se voltando contra os policiais no Capitólio e como viu os líderes dos Proud Boys se organizando antes de lançarem seu ataque.
Ela contou que perdeu a consciência ao ser derrubada e bater a cabeça em um degrau de concreto. Depois que se recuperou, continuou tentando defender o Capitólio, antes que ela e o colega Brian Sicknick — que morreria mais tarde — fossem agredidos com spray químico.
“O que eu vi foi uma cena de guerra, como algo que eu tinha visto nos filmes”, disse Edwards . “Eu não podia acreditar nos meus olhos. Policiais no chão sangrando e vomitando… Foi uma carnificina. Foi um caos.”
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Fonte Notícia: www.bbc.com