A luta de mãe que perdeu filha vítima de poluição
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- Amanda Magnani
- De Praga para a BBC News Brasil
“Corri com minha filha Ella ao hospital 28 vezes em seus últimos 28 meses de vida. Cada uma dessas vezes, ela ofegava para respirar como se estivesse se afogando”, diz a britânica Rosamund Kissi-Debrah, mãe da primeira pessoa a ter poluição do ar citada como causa de óbito.
Sua filha Ella, faleceu em 2013 aos nove anos de idade. Mas foi apenas em 2020 que um legista finalmente confirmou que a poluição do ar expelida pelo tráfego de veículos perto de sua casa, em Londres, foi uma causa significativa da asma que a acompanhou por anos e, finalmente, resultou em sua morte.
Segundo relatório de 2018 da Organização Mundial da Saúde (OMS), nove em cada dez pessoas no mundo respiram ar poluído. A maioria das megacidades globais ultrapassam em cinco vezes os níveis aceitáveis de poluição, represetando um grande risco para a saúde dos habitantes.
Embora Ella seja até o momento a única pessoa a ter a poluição atmosférica como uma das causas oficiais de sua morte, a OMS estima que, a cada ano, aproximadamente 7 milhões de pessoas vêm a óbito em função da poluição do ar — tanto daquela encontrada ao ar livre, quanto dentro de suas próprias casas.
Foi o que aconteceu com Ella. “Vivemos a apenas 25 metros de uma das estradas mais congestionadas do Reino Unido, onde, ao que parece, a poluição do ar excede persistentemente os níveis considerados aceitáveis pela Organização Mundial de Saúde”, diz sua mãe, Rosamund.
De acordo com a Our Children’s Air, uma plataforma onde pais e mães de todo mundo podem compartilhar histórias sobre como seus filhos têm sido afetados pela qualidade do ar, crianças inalam de duas a três vezes mais ar poluído que seus pais, em função da velocidade de sua respiração, que é mais rápida do que a dos adultos.
Ella era uma garota saudável, ativa e esportiva, que jogava futebol, andava de bicicleta e nadava. No entanto, a jovem ficou tão gravemente doente com asma que o simples ato de respirar se tornou um fardo.
“Ela teve centenas de ataques [de asma], e muitas vezes eu tive a sorte de ressuscitá-la sozinha”, diz Rosamund. “Ella passou seus últimos anos de vida sabendo que poderia morrer — e isso finalmente aconteceu em 2013”, diz a britânica.
Embora seu caso seja singular, como única pessoa no mundo a ter poluição do ar listada em sua certidão de óbito, a história de Ella é representativa da realidade de milhões de crianças ao redor do mundo. “O ar poluído está envenenando milhões de crianças e arruinando suas vidas”, diz Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor geral da OMS. “Isso é imperdoável. Todas as crianças devem ser capazes de respirar ar puro para que possam crescer e atingir todo o seu potencial”.
Segundo o relatório de 2018 da OMS, todos os dias, cerca de 93% das crianças com menos de 15 anos no mundo (1,8 bilhão de crianças) respiram um ar tão poluído que sua saúde e seu desenvolvimento são colocados em risco.
Além de respirarem mais rápido que os adultos, as crianças passam muito tempo mais perto do solo, onde alguns poluentes atingem concentrações máximas. Apenas em 2016, estima-se que 600 mil crianças morreram de infecções respiratórias causadas por ar poluído.
O relatório revela, ainda, que mulheres grávidas que são expostas ao ar poluído têm maior probabilidade de dar à luz prematuramente. Além disso, ele conclui que a poluição do ar também afeta o neurodesenvolvimento e a capacidade cognitiva das crianças, e pode desencadear asma e câncer infantil. Crianças que foram expostas a altos níveis de poluição do ar podem correr maior risco de doenças crônicas, como doenças cardiovasculares, mais tarde na vida.
Mães vão à COP26 pedir pelo fim do financiamento de combustíveis fósseis
Ao lado de uma delegação de mães do Reino Unido, Índia, Nigéria, Brasil, Polônia e África do Sul, Rosamund fez parte de uma das maiores mobilizações globais de pais por trás de uma causa única – acabar com o financiamento de combustíveis fósseis, um dos principais fatores de poluição atmosférica a nível global.
Rosamund diz que, se tivesse consciência do que estava acontecendo enquanto sua filha estava viva, teria se mudado de casa imediatamente. “Qualquer mãe ou pai faria tudo o que estivesse ao seu alcance para salvar seu filho de uma doença e morte totalmente evitáveis”, diz a britânica.
Mas nem sempre famílias têm a informação ou liberdade para fazer o que for necessário. Embora crianças de todo o mundo sejam afetadas pela poluição do ar, elas são ainda mais vulneráveis em países de média e baixa renda.
“Há milhões de famílias e crianças em todo o mundo morando perto de estradas movimentadas, usinas de carvão, canteiros de obras ou fazendas com queimadas. E nem todos têm o poder de se levantar e se mover — mesmo se estivessem cientes do veneno invisível espreitando em seu ar, o que a maioria não tem”, diz a britânica.
A morte de sua filha motivou Rosamund a conscientizar pais e mães, e lutar pelo direito de outras crianças. Seu ativismo a levou até a COP 26, em Glasgow.
As representantes da delegação foram selecionadas a partir de um grupo de mães ativistas de onze países que receberam uma bolsa da ONG norteamericana Our Kid’s Future para apoiar suas ações a nível local. O movimento tem a intenção de apoiar as mobilizações de jovens de todo o mundo.
Segundo Mariana Menezes, uma das fundadoras do Famílias pelo Clima no Brasil, que fez parte da delegação, pais e mães estão em uma posição privilegiada em suas ações. “Nós somos trabalhadores, pessoas que pagam impostos, e somos guardiães dos pequenos. Estamos em uma posição legítima para questionar politicamente e legalmente as decisões dos nossos representantes”, diz Mariana.
No último dia 5, a delegação de mães se encontrou pessoalmente com Alok Sharma, presidente da COP26, a quem entregaram uma carta assinada por 500 organizações de pais e mães, oriundas de 44 países. “Nós representamos milhões de pais e mães de todo o mundo”, diz a mãe nigeriana Amuche Nnabueze.
Na carta, direcionada às lideranças mundiais, as famílias dizem que “imploramos que vocês façam o que for necessário para salvaguardar a saúde e o futuro das crianças em todo o mundo”.
“Nós pedimos que eles pensem nos próprios filhos, e no mundo que querem deixar para eles”, diz a Sul-Africana Xoli Fuyani, uma das integrantes delegação. “Nós somos um grupo não só de mães, mas também de pais, avós, tios e tias — todos e todas aquelas que compartilham da preocupação pelo futuro das nossas crianças”, ela acrescenta.
Para Mariana, a entrega da carta foi um momento potente e catártico. “Eu pude olhar nos olhos de uma autoridade e dizer o que estava dentro do meu coração. Eu pude falar que represento um grupo de pais e mães que já não conseguem mais dormir diante da inação que estamos presenciando.”
Embora muitas das mães estejam decepcionadas com as negociações e decisões tomadas na COP26, elas veem nos movimentos de base uma esperança. Para a Sul-Africana Xoli, “a bola está do nosso lado — agora cabe a nós fazer as mudanças acontecerem”.
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