Muitas armas e poucas mortes: por que Noruega e Finlândia estão na contramão dos EUA
- Peter Squires
- The Conversation*
Na esteira do mais recente massacre nos EUA, em que 19 alunos e duas professoras foram mortos por um rapaz de 18 anos armado com um rifle, em Uvalde, no Texas, é interessante ver como os EUA se comparam com outros países em mortes de crianças causadas por armas de fogo.
Como apontou o Children’s Defense Fund, organização americana independente sem fins lucrativos, a violência armada é agora a principal causa de morte de crianças nos EUA. São nove disparos fatais em crianças por dia — ou seja, uma morte a cada duas horas e trinta e seis minutos, de acordo com a organização.
Uma minoria destes assassinatos envolve disparos em escolas ou massacres, a maioria corresponde a homicídios individuais de crianças, ligados a crimes de rotina e à violência de gangues, e resultam predominantemente na morte de crianças afro-americanas e de grupos minoritários.
Os EUA se destacam como um ponto extremamente fora da curva entre os países de alta renda.
O número de crianças mortas por armas de fogo é 36,5 vezes maior nos EUA, em comparação com muitos outros países de alta renda, incluindo Áustria, Austrália, Suécia, Inglaterra e País de Gales, de acordo com uma análise publicada recentemente pelo New England Journal of Medicine.
Nos últimos anos, pesquisas internacionais também provaram conclusivamente que níveis mais altos de posse de armas estão intimamente associados a taxas mais altas de violência armada.
Uma auditoria de todos os 50 estados dos EUA feita pelo Center for American Progress, organização de pesquisa e defesa de políticas públicas de tendência democrata, encontrou uma estreita correlação entre os estados com as leis de armas mais duras e os estados com as menores taxas de crimes com armas.
Enquanto isso, uma pesquisa internacional comparou as leis nacionais de armas, as taxas de posse de armas de fogo e as taxas de violência armada. Os resultados são impressionantes, como sugere o gráfico abaixo:
Curiosamente, as sociedades europeias com taxas de posse de arma próximas às dos EUA, em termos de proprietários de armas para cada 100 pessoas (mas com rifles e espingardas de caça, em vez de pistolas), como a Finlândia e a Noruega, estão entre as sociedades mais seguras internacionalmente em relação à violência armada.
Os pesquisadores falam sobre culturas de armas “civilizadas” e “descivilizatórias” — culturas em que a posse de armas está associada a valores tradicionais de respeito e responsabilidade, e outras em que a disponibilidade de armas em grande parte capacita os criminosos e desequilibrados, aumentando a violência e o caos.
Altos níveis de coesão social, baixas taxas de criminalidade e altos níveis de confiança na polícia e nas instituições sociais internacionalmente parecem reduzir os níveis de homicídio por arma de fogo.
O outro lado desta descoberta, no entanto, é que em países com alta taxa de posse de armas, como Finlândia, Suécia e Suíça, há taxas significativamente mais altas de suicídio usando armas de fogo.
O Reino Unido e o Japão, com algumas das leis de armas mais rígidas do mundo, sempre registram as taxas mais baixas de homicídio por arma de fogo, principalmente em virtude de sua praticamente proibição de pistolas, a arma preferida dos criminosos.
Em contrapartida, o número de mortos nos recentes massacres nos EUA foi muito exacerbado pelos autores terem usado rifles de assalto, com carregadores de munição maiores e capacidade de disparo rápido.
Como resultado do novo foco internacional na pesquisa de controle de armas (houve uma época em que a única pesquisa acadêmica sobre armas de fogo ocorria nos EUA, e grande parte dela era financiada, direta e indiretamente, pela Associação Nacional do Rifle, um dos grupos de interesse mais influentes da política americana), questões mais amplas ficaram sob os holofotes.
Os pesquisadores começaram a se concentrar menos na arma como uma variável independente e, em vez disso, começaram a abordar os contextos e as diferentes culturas de uso de armas de fogo.
Também começaram a reconhecer, como os criminologistas sempre souberam, que a introdução de novas leis raramente muda algo por si só — os criminosos infringem as leis.
Os pesquisadores de armas agora se concentram cada vez mais em “regimes de controle de armas” mais amplos, que têm um papel importante a desempenhar no aumento ou redução dos níveis de violência armada.
Estes regimes incluem sistemas de policiamento e justiça criminal, sistemas de responsabilidade política, redes de segurança social, oferta educacional abrangente e culturas de confiança.
E, como o gráfico acima sugere, embora os EUA sejam vistos como a cultura de armas mais excepcional entre as nações democráticas ricas, em termos de taxas de mortalidade, eles são ofuscados por muitas outras sociedades mais pobres e mais conflituosas, como a África do Sul, Jamaica e Honduras.
As tentativas nos EUA de enfrentar os massacres, mas sem restringir a posse de armas nos últimos anos, incluem o aumento da vigilância — especialmente em escolas em que alunos, pais e professores fazem parte de uma rede que fica de olho em colegas e alunos. Eles procuram sinais de problemas e são capazes de soar o alarme.
De forma mais ambiciosa, o Violence Project buscou compilar perfis de evidências, aprendendo com o que já sabemos sobre assassinos violentos e tentando prever até onde seu comportamento, engajamento nas redes sociais e declarações podem acender o alerta.
No entanto, a evidência agora é indiscutível de que mais armas em um determinado país se traduz diretamente em mais violência armada.
É significativo que a reação imediata ao massacre na escola de Uvalde tenha se concentrado em questões limitadas à segurança escolar e a um aparente atraso na intervenção policial, em vez de nos vários fatores subjacentes que tornam os EUA um lugar comparativamente perigoso para as crianças.
*Peter Squires é professor de criminologia e políticas públicas da Universidade de Brighton, no Reino Unido.
Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em inglês).
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Fonte Notícia: www.bbc.com