Por que Nubank perdeu quase 65% do valor depois de chegar a banco mais valioso do país
Quando estreou na bolsa de Nova York em dezembro passado, o banco digital Nubank foi alçado a uma posição de destaque: o mais valioso da América Latina, superando instituições financeiras tradicionais, como Itaú, Bradesco e Santander.
Hoje, pouco mais de seis meses depois, suas ações já despencaram 65% e seu valor de mercado (o resultado da multiplicação do volume de ações em circulação e o preço de cada uma delas) passou de US$ 41,5 bilhões para US$ 17,1 bilhões.
Mas, no mesmo período, seus principais concorrentes não sofreram a mesma volatilidade. O Itaú Unibanco vale hoje US$ 50,2 bilhões e o Bradesco, US$ 41,9 bilhões, respectivamente, patamares superiores aos de dezembro.
Ou seja, o Nubank, que, naquele mês, chegou a valer mais do que o Itaú, vale hoje cerca de um terço dele.
E nem a divulgação dos resultados do primeiro trimestre, os mais fortes da história do banco digital, com receita total atingindo um recorde de US$ 877,2 milhões, acima das expectativas dos analistas, foi capaz de estancar a sangria — de fato, logo após o anúncio, os papéis chegaram a subir 8%, mas depois voltaram a cair.
Às 12h30 de Brasília desta sexta-feira (27/5), as ações do Nubank estavam em alta, negociadas US$ 3,70.
Mas o que está acontecendo com a fintech, que, com uma estratégia de crescimento agressiva, já conquistou uma base de clientes de cerca de 60 milhões no Brasil, México e Colômbia desde sua fundação, em 2013?
O banco afirma que “apesar da recente volatilidade do mercado no curto prazo, continuamos com total confiança e comprometimento com a criação de valor de longo prazo” (veja nota completa ao final da reportagem).
Expectativas e realidade
Segundo analistas entrevistados pela BBC News Brasil, há uma soma de fatores que explica a queda vertiginosa das ações do Nubank.
Mas, antes disso, é preciso entender o que significa uma ação. Basicamente, se trata de uma fração de uma empresa. Os acionistas são, portanto, donos de uma parcela da empresa. As ações são negociadas em bolsa de valores e compradas e vendidas por investidores interessados também na rentabilidade da empresa.
Quando os investidores — “o mercado” — entendem que a empresa não vai entregar os resultados esperados, vendem essa fração que detêm. Seguindo o conceito da lei da oferta e da demanda, se muitas pessoas estão vendendo e poucas comprando, o valor da ação cai.
Desde o início, porém, esses investidores demonstraram apetite pelo Nubank, apesar de o banco digital só ter dado lucro pela primeira vez no ano passado. A principal explicação é uma expectativa de rentabilidade futura.
Trata-se de uma aposta — que parece estar sendo reajustada pelo mercado, devido a uma combinação de circunstâncias, que envolve a tomada de decisões do banco, e os ambientes econômicos brasileiro e global.
No cenário externo, o mercado segue de mau humor diante da pressão inflacionária e do aumento de juros nos mercados desenvolvidos — inclusive nos Estados Unidos. Em um mês, a Nasdaq, a bolsa eletrônica americana, já acumula queda de 13%. Desde o início do ano, cerca de 30%.
“Quando se olha transversalmente para a avaliação de fintechs no mercado internacional e não só com foco no Brasil ou América Latina, percebe-se uma grande pressão em suas avaliações de mercado. Mas o que aconteceu de diferente no início deste ano? Há uma tendência de inflação crescente não só na América Latina, mas em todo mundo”, diz João Bragança, diretor de serviços financeiros da consultoria alemã Roland Berger, comentando sobre as fintechs.
“Isso fez com que bancos centrais aumentassem as taxas de juros, reduzindo a liquidez no mercado, ou seja, os recursos que estão disponíveis para os investidores aplicarem em novos negócios ou em negócios pré-existentes. As fintechs são, por natureza, negócios que estão em fase de maturação, num caminho de fortalecimento de seu modelo de negócio.”
“Qualquer banco digital está ainda fazendo o que chamamos de ‘jornada de monetização de cliente’. Primeiro, você adquire clientes e depois desenvolve produtos e serviços para eles poderem utilizá-los, gerando receita e lucro.”
“Ora, a avaliação de risco dos investidores em uma situação de menor liquidez pressiona a avaliação do mercado sobre qualquer novo modelo de negócio. É uma tendência global”, acrescenta.
Mas é o cenário interno que deixa muitos investidores receosos.
Em um ambiente de deterioração da economia brasileira, com alta dos juros e da inflação, e perda de renda da população, crescem, portanto, as preocupações sobre se o Nubank vai conseguir “monetizar sua base de clientes”.
Nesse contexto e, considerando o crescimento das operações de crédito do banco digital, que investiu maciçamente na captação de clientes, o temor recai sobre a perspectiva de alta de inadimplência e das provisões para calote, tanto em cartões quanto empréstimos pessoais.
As operações de cartões continuam sendo o principal produto do Nubank.
Cartões são, essencialmente, uma concessão de crédito sem garantia (ou seja, quem o solicita não precisa dar algo como precaução de pagamento, como um imóvel ou veículo, e portanto não precisa justificar como vai gastar o dinheiro). Os bancos não conseguem recuperar ativos se tomarem um calote.
“Sempre que os juros sobem, o crédito fica mais caro. Desestimulam-se o consumo e a tomada de crédito. E o Nubank é uma instituição de crédito. A maior base de receitas deles vem de cartão de crédito, principalmente no rotativo (ou seja, que parcelam), e de empréstimos”, explica Danielle Lopes, sócia e analista de ações da Nord Research, casa de análise de investimentos focada no pequeno investidor e sediada em São Paulo.
“As pessoas que se tornaram clientes do Nubank foram atraídas pela promessa de que o banco não cobraria taxas. Ou seja, como monetizar seu negócio se os juros estão muito altos e seus clientes não estão tomando crédito? Isso é um enorme problema para eles”, questiona.
“Pelo que estamos vendo, o mercado não acredita que o Nubank vá conseguir ter bons resultados no curto prazo e tem muito receio com o longo prazo, dada a conjuntura macroeconômica global”, acrescenta.
Lopes lembra que o índice de inadimplência do banco digital aumentou e está acima da média dos bancos tradicionais.
“Não achamos interessante um banco recém-chegado buscar acelerar o acesso a crédito num momento tão complicado de juros”, escreveu ela em newsletter a investidores após a divulgação dos resultados do Nubank.
Bancos tradicionais, como Itaú Unibanco e Bradesco, recentemente expressaram cautela quanto às operações de cartões, principalmente no meio digital, e afirmaram que vão focar na fidelização dos clientes antigos em detrimento da captação de novos.
Segundo Milton Maluhy, presidente do Itaú Unibanco, os clientes digitais têm, em sua visão, um perfil de crédito “mais arriscado” especialmente em um ambiente macroeconômico mais complexo, como o atual. O Itaú Unibanco é líder em cartões no Brasil, com cerca de 30% do mercado.
“O que a gente vem fazendo desde o segundo semestre do ano passado é reduzir a quantidade de clientes adquiridos digitalmente, porque a gente vê que é um cliente de perfil mais arriscado”, disse ele a jornalistas ao comentar os resultados do banco, divulgados no início de maio.
“Estamos reduzindo a aquisição (de clientes) em cartões, por entender que é um produto mais volátil”, acrescentou.
Na mesma linha, o presidente do Bradesco, Octavio de Lazari Junior, afirmou que o banco vai privilegiar “menos o crescimento acelerado e mais a fidelização, a retenção e a rentabilização desses clientes”, ao falar sobre os três bancos digitais da empresa.
‘Maré de azar’
Lopes, da Nord Research, chama atenção ainda para dois elementos recentes para o que chama de “maré de azar” que afetou o Nubank e diz que “não parece que vai acabar tão cedo”.
O primeiro: o pacote de remuneração à diretoria da fintech superior a R$ 800 milhões noticiado nos últimos dias, bem acima do observado entre os grandes bancos brasileiros. “O pacote de remuneração do CEO é superagressivo, na média, maior do que os membros da diretoria do próprio Itaú, um banco muito mais consolidado”, diz Lopes.
O segundo: o anúncio de que o Nubank vai investir 1% de seu caixa em bitcoin. “O bitcoin é uma moeda volátil demais e o Nubank precisa desse dinheiro para crescer. Os investidores passam a duvidar da capacidade da gestão de tomar decisões.”
Também pesa contra o Nubank o fato de que o mercado se tornou mais competitivo. Hoje, vários concorrentes apostam na fórmula bem-sucedida da fintech, como cartão sem anuidade, conta grátis e oferta simplificada. Enquanto isso, bancos tradicionais vêm acelerando sua digitalização.
Por causa disso, o Nubank ampliou seu leque de serviços, entrando em áreas como investimentos e seguros, mas isso também significa uma operação mais complexa.
Outro lado
Questionado sobre a queda vertiginosa de suas ações, o Nubank enviou à BBC News Brasil o comunicado de imprensa divulgado por ocasião dos resultados trimestrais na semana passada.
Na nota, o fundador e CEO do Nubank, David Vélez, diz: “Esse foi o trimestre mais forte na história do Nu. Alcançamos cerca de 60 milhões de clientes e uma taxa de atividade recorde de 78%. Nossa fórmula de geração de receitas ajudou a impulsionar o resultado trimestral, que alcançou o valor recorde de US$ 877 milhões (+226% FXN na comparação com o 1T21), com baixo custo de aquisição de clientes, aumento da receita por cliente e redução do custo de serviço”.
“Nossa carteira de crédito teve expansão significativamente superior à do mercado e manteve níveis de qualidade saudáveis. Esse resultado é fruto do nosso avançado modelo de risco e de nosso portfólio de crédito disciplinado e resiliente, especialmente considerando as condições macroeconômicas atuais”.
“Apesar da recente volatilidade do mercado no curto prazo, continuamos com total confiança e comprometimento com a criação de valor de longo prazo, como foi reiterado por nossos principais acionistas”.
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Fonte Notícia: www.bbc.com