Protestos em Cuba: quanto o embargo americano realmente afeta a Ilha?
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- Ángel Bermúdez – @angelbermudez
- BBC News Mundo
O embargo dos Estados Unidos contra Cuba é uma das medidas mais condenadas pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), onde todos os anos, desde 1992, é aprovada uma resolução contra a imposição americana.
A resolução de condenação tem tido apoio quase unânime, e em 2016 chegou a ter 191 votos a favor e nenhum contra, entre os 193 membros. O próprio governo dos EUA se absteve de defender seu embargo.
As razões para condenar a medida variam bastante, e em muitos casos não representam um gesto de apoio ao governo cubano, mas sim, no caso de muitos países europeus, indicam uma contestação ao fato de que os EUA limitam a possibilidade de empresas de outros países a fazer negócios com a ilha ou de que esse embargo serve como um perigoso precedente de medidas unilaterais coercitivas.
Depois dos protestos de dimensões inéditas ocorridos no domingo (11/07) em várias cidades cubanas exigindo alimentos, remédios e vacinas, mas também “liberdade” e “fim da ditadura”, o governo de Miguel Díaz-Canel apontou o embargo americano como a raiz dos males que atingem a ilha.
“O que precisamos aqui é que as 243 medidas de bloqueio sejam retiradas e o embargo, suspenso. É a única coisa que Cuba exige”, disse Díaz-Canel em uma transmissão pela televisão e pelo rádio na segunda-feira (12/07).
Dois dias depois, o governo cubano anunciou a suspensão temporária de restrições alfandegárias a medicamentos e alimentos, na tentativa de apaziguar o descontentamento que os protestos trouxeram ainda mais à tona.
Mas o que exatamente é o embargo dos EUA a Cuba e qual é seu verdadeiro impacto?
Muitas normas, um objetivo
O embargo econômico americano contra Cuba se baseia em um amplo emaranhado jurídico construído ao longo de décadas que inclui seis leis diferentes e diversas regulações que proíbem ou limitam relações comerciais com a ilha.
As primeiras sanções econômicas foram adotadas em 1960 pelo governo do então presidente Dwight Eisenhower em resposta à decisão do governo cubano de estatizar os bens de empresas americanas na ilha, aumentar a taxação de produtos dos EUA e estabelecer relações comerciais com a União Soviética.
Eisenhower reduziu drasticamente a importação de açúcar de Cuba, pôs em marcha um embargo comercial parcial e acabou rompendo as relações diplomáticas com Havana.
Com o fracasso da invasão da Baía dos Porcos e da declaração de Cuba como um Estado socialista por Fidel Castro em 1961, o presidente americano John F. Kennedy estabeleceu no ano seguinte um embargo total ao comércio com Cuba, com exceção de alimentos e remédios.
Essas medidas iniciais foram adotadas com base na Lei de Comércio com o Inimigo, que havia sido aprovada em 1917 durante a Primeira Guerra Mundial, e na Lei de Assistência Exterior, promulgada em 1961, que permite manter o embargo contra Cuba e proíbe que fundos de ajuda internacional dos EUA sejam destinados ao país caribenho.
Em 1979, a Lei para Administração de Exportações permitiu estabelecer restrições alfandegárias por motivos de segurança nacional.
Após a queda da União Soviética, o Congresso dos EUA aprovou, em 1992, a Lei para a Democracia em Cuba, conhecida como Lei Torricelli, que proibia subsidiárias de empresas americanas em outros países de negociar com Cuba, assim como a viagem de cidadãos dos EUA ao país. Ali tentava-se também limitar a cooperação internacional de outros países com a ilha.
A Lei para a Liberdade e Solidariedade Democrática Cubanas (conhecida como Lei Helms-Burton), de 1996, reforçou o embargo, incluindo restrições a empresas de outros países de negociarem com a ilha.
Essa norma trouxe consigo uma outra mudança importante ao estabelecer as condições necessárias para que o embargo de Cuba fosse suspenso.
Ali ficou estabelecido que, em consulta com o Congresso, o presidente americano poderia suspender algumas medidas quando um governo de transição fosse instalado em Cuba ou poderia eliminar todo o regime de sanções quando a ilha tivesse um governo eleito democraticamente, considerado como o objetivo último das sanções dos EUA contra a ilha.
Nesse processo, porém, caberá ao Congresso a última palavra, a quem cabe aprovar ou não o fim do embargo.
Essa lei também dificultou o acesso da ilha a financiamentos externos ao estabelecer que os EUA usarão sua influência e seu voto em organizações financeiras internacionais para se opor à adesão de Cuba a essas instituições.
Em 2000, a Lei de Sanções Comerciais e Aumento do Comércio representou um certo relaxamento do embargo ao permitir a exportação para Cuba de alimentos, produtos agrícolas e medicamentos.
Além dessas leis, há diversas normas e diversos regulamentos adicionais que conferem ao Poder Executivo dos EUA certa margem de discricionariedade na aplicação do embargo, o que explica como foi possível que durante o governo de Barack Obama houvesse uma grande flexibilização das relações econômicas com Cuba, especialmente em relação a viagens e envio de remessas, e que sob a Presidência de Donald Trump elas acabaram endurecidas mais uma vez.
Historicamente, o governo cubano se refere às sanções econômicas dos EUA como um bloqueio e insiste que a normalização total das relações bilaterais só será possível quando essas medidas forem totalmente suspensas.
Embora as primeiras sanções impostas por Washington tenham respondido à nacionalização dos ativos de empresas americanas em Cuba em 1960, ao longo dos anos, elas se tornaram um meio de pressionar a ilha, negando-lhe acesso ao comércio com a maior economia mundial, bem como às facilidades inerentes ao uso do sistema financeiro dos EUA, cobrando respeito os direitos humanos e o estabelecimento de um governo eleito democraticamente.
Quais atividades econômicas então são afetadas pelo embargo americano a Cuba?
“A regra geral é que tudo o que não seja explicitamente autorizado por uma licença especial ou geral é absolutamente proibido se tiver a ver com Cuba, em termos econômicos e comerciais”, explica Pedro Freyre, professor de Direito e advogado do escritório de advocacia Akerman, em Miami.
“Agora, falando do embargo especificamente: alguém disse que há ‘mais buracos do que queijo’ porque existe toda uma gama de exceções e licenças gerais que autorizam transações com Cuba”, acrescenta Freyre, que assessora empresas americanas e internacionais a ajudá-las a fazer suas operações na ilha sem violarem o embargo.
O especialista lembra que é permitido o envio de ajuda humanitária, assim como a exportação de alimentos, embora neste caso seja obrigatório que o pagamento seja feito no ato, ou seja, que não seja financiado. Ele salienta que a venda de medicamentos também é autorizada, embora não de forma automática, já que existem alguns pré-requisitos.
Freyre esclarece que as proibições existentes para outras atividades comerciais atingem cidadãos, empresas e entidades dos EUA ou que sejam controladas por americanos.
Em relação às medidas americanas que restringem a possibilidade de empresas de outros países fazerem negócios com Cuba, Freyre explica que países da União Europeia e de outros continentes, como o Canadá, desenvolveram com sucesso um arcabouço legal que impede a aplicação extraterritorial das leis americanas.
“A aplicação do bloqueio para além do território americano é colateral. Os EUA não têm jurisdição primária sobre uma empresa não americana. Se você tiver uma empresa inglesa ou francesa operando fora dos EUA, os EUA não têm jurisdição de qualquer tipo sobre essa empresa. Agora, se essa empresa começar a operar nos EUA, usar o sistema bancário ou recursos americanos, aí sim há jurisdição incidindo sobre essa empresa”, afirma.
A questão da aplicação extraterritorial do embargo entrou em vigor nos últimos anos, depois que o governo Donald Trump permitiu a aplicação de um trecho da Lei Helms-Burton que havia sido suspenso. Este estabelece que as empresas que foram confiscadas pelo governo cubano podem processar empresas estrangeiras que operam na ilha em tribunais dos EUA.
“Suponhamos que os ex-proprietários de uma empresa de tabaco que foi confiscada entrem com um processo e ganhem uma ação em um tribunal americano contra uma empresa francesa que agora controla aquele ativo. Mas essa empresa francesa não tem ativos nos EUA, ela tem tudo na Europa. Então, os americanos têm que ir a um tribunal francês e dizer ‘ei, garanta efeito e validade a essa ação que ganhei nos EUA e vamos tomar as propriedades dessa empresa francesa’. Mas a regulamentação da União Europeia proíbe terminantemente essa aceitação por tribunais franceses e, além disso, dá à empresa francesa o direito de apresentar reconvenção (ação contra os autores do pedido) contra os americanos”, explica.
Freyre ressalta que as empresas estrangeiras que desejam fazer negócios com Cuba devem evitar o uso do sistema financeiro americano. “Cuba pode teoricamente comprar todo o combustível que quiser diretamente, por exemplo, da Rússia. Os EUA não interferem nisso, mas essa transação não pode ser em dólares nem pode usar o sistema bancário americano.”
As responsabilidades do embargo
E qual tem sido o impacto do embargo sobre Cuba?
“Os danos acumulados durante quase seis décadas de aplicação dessa medida totalizam US$ 144 bilhões (cerca de R$ 734 bilhões)”, afirmou o governo cubano no documento “Cuba vs. Bloqueio” que apresentou sobre o embargo à Assembleia Geral da ONU em 2020.
As autoridades de Cuba quase sempre atribuem a culpa pelas dificuldades econômicas enfrentadas pela população cubana aos efeitos das sanções americanas, lembrando que elas dificultam o comércio e a obtenção de investimentos e financiamentos.
Os críticos do governo cubano, porém, apontam que a ilha mantém relações comerciais com dezenas de países ao redor do mundo e que recebe sim expressivos investimentos estrangeiros, em setores que têm possibilidade gerar lucro, como o turismo.
Erika Guevara-Rosas, diretora da Anistia Internacional para as Américas, afirma que embora o embargo dos EUA tenha tido um impacto econômico e social na ilha, o argumento de culpar estas sanções pelos problemas cubanos está “ultrapassado”.
“Eles [o governo cubano] geraram uma narrativa como se fosse um bloqueio total e um embargo econômico e financeiro, com todas as implicações que isso tem na vida das pessoas”, diz Guevara-Rosas à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC).
Ela lembra que ainda que a ilha mantenha relações estreitas de cooperação e comércio com países europeus, de fato os EUA são o principal exportador de alimentos e medicamentos para Cuba.
A lista dos principais parceiros comerciais da ilha é variada e inclui países como Venezuela, China, Espanha, Canadá, Rússia, México, Holanda, Itália, França, Alemanha e os próprios Estados Unidos, segundo dados de 2019 do Instituto Nacional de Estatísticas e Informações de Cuba.
Guevara-Rosas destaca, por exemplo, que 80% da carne e do frango da ilha vêm dos EUA.
John Kavulich, presidente do Conselho de Comércio e Economia EUA-Cuba, disse à BBC Monitoring que este ano as exportações de alimentos dos EUA para a ilha aumentaram 60% em relação a 2020, e que até agora neste ano somam quase US$ 140 milhões (cerca de R$ 715 milhões), principalmente com a venda de frango.
Kavulich estima que cerca de 8% dos alimentos importados por Cuba vêm dos EUA.
Assim, ao investigarem a fundo as raízes das dificuldades da ilha, alguns analistas como Pedro Freyre olham para além do embargo. “O problema fundamental da economia cubana é que seu sistema é muito ineficiente”, diz ele.
E acrescenta: “o planejamento é centralizado e a propriedade, a titularidade de todos os bens fundamentais de produção, é do Estado. As grandes empresas são do Estado. O setor privado é relativamente pequeno e tem se expandido com muita dificuldade, mas são muito pequenos, são negócios individuais”.
Freyre diz que que quem viaja para Cuba pode perceber o estado avançado de deterioração da infraestrutura local, o que atribui às dificuldades do sistema político-econômico para criar valor e capital.
“E aí então, em meio a toda essa deterioração, você avista um hotel novo de primeira linha. Esse hotel é uma joint-venture de uma agência governamental, geralmente com uma empresa russa, chinesa ou qualquer outra e é como um oásis de capitalização no meio de um oceano de ruínas”, acrescenta.
Freyre afirma que, neste contexto, o embargo impõe um ônus adicional a Cuba e dificulta ainda mais as coisas, mas, em sua avaliação, a raiz de tudo está na ineficiência do sistema.
“Uma Cuba capitalista sob sanções não teria nem remotamente o nível de problemas que tem agora. Teria problemas, mas não o nível de problemas que tem agora.”
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