Psicopatas: o que diz a ciência (e por que séries erram)
- Arielle Baskin-Sommers
- The Conversation*
Todos os dias, milhões de americanos se enrolam nas cobertas para assistir a seus programas policiais favoritos.
Seja FBI, Dexter, Mindhunter, Killing Eve, Law & Order ou qualquer um de uma infinidade de programas semelhantes, eles atraem grandes audiências com seus retratos vívidos de vilões cujos comportamentos são incrivelmente cruéis.
Confesso: faço parte desse público. Meus alunos até zombam do quanto eu, pesquisadora que estuda comportamento criminoso, assisto a séries de crimes.
Justifico parte do meu tempo de TV como trabalho, pesquisando material para meu curso de graduação e para meus seminários sobre a natureza da mente criminosa.
Mas também sou cativada pelos personagens desses dramas, apesar – ou por causa – de quão irrealistas muitos deles são.
Um dos tipos de personagens mais comuns na TV de crimes é o psicopata: a pessoa que comete assassinatos brutais, age de forma imprudente e senta-se friamente na frente de policiais.
Embora os programas sejam obviamente ficção, seus enredos tornaram-se referências culturais familiares.
As pessoas assistem ao agente Hotchner em Criminal Minds rotular qualquer personagem que seja perturbadoramente violento como “alguém com psicopatia”.
Eles ouvem o Dr. Huang em Law & Order: SVU se referir a um jovem infrator que machucou uma jovem como “um adolescente com psicopatia” que ele sugere ser incapaz de responder ao tratamento.
Tais retratos deixam os espectadores com a impressão de que os indivíduos com psicopatia são incontrolavelmente maus, incapazes de sentir emoções e incorrigíveis.
Mas uma extensa pesquisa, incluindo anos de trabalho em meu próprio laboratório, demonstra que as concepções sensacionalistas de psicopatia usadas para conduzir essas narrativas são contraproducentes e simplesmente erradas.
O que realmente é psicopatia
A psicopatia é classificada pelos psicólogos como um transtorno de personalidade definido por uma combinação de carisma, emoções superficiais, ausência de arrependimento ou remorso, impulsividade e criminalidade.
Cerca de 1% da população em geral atende aos critérios de diagnóstico da psicopatia, o dobro da prevalência da esquizofrenia.
As causas exatas da psicopatia não foram identificadas, mas a maioria dos estudiosos conclui que tanto a genética quanto o ambiente são fatores contribuintes.
A psicopatia impõe um alto custo aos indivíduos e à sociedade como um todo.
Pessoas com psicopatia cometem duas a três vezes mais crimes em geral do que outras que se envolvem em comportamento antissocial e representam cerca de 25% da população encarcerada.
Eles também cometem novos crimes depois de serem libertados da prisão ou liberados da supervisão a uma taxa muito maior do que outros tipos de infratores.
Meus colegas e eu descobrimos que pessoas com psicopatia tendem a começar a usar drogas mais cedo e a experimentar mais tipos de substâncias.
Há também algumas evidências de que pessoas com psicopatia tendem a não responder bem às estratégias terapêuticas convencionais.
A realidade é significativamente mais sutil e encorajadora do que as narrativas sombrias da mídia.
Ao contrário da maioria das formas como essas pessoas são retratadas, a psicopatia não é sinônimo de violência.
É verdade que indivíduos com psicopatia são mais propensos a cometer crimes violentos do que indivíduos sem o transtorno, mas o comportamento violento não é um requisito para o diagnóstico de psicopatia.
Alguns pesquisadores argumentam que os principais traços de psicopatia estão presentes em indivíduos que não apresentam comportamento violento, mas que tendem a comportamentos impulsivos e arriscados, tiram vantagem dos outros e mostram pouca preocupação com as consequências de suas ações.
Esses traços podem ser observados em políticos, presidentes de empresas e investidores financeiros.
O que a ciência diz sobre psicopatia
Muitos programas de TV policiais, assim como muitas notícias populares, associam a psicopatia à falta de emoção, principalmente de medo ou remorso.
O personagem normalmente está parado calmamente sobre um corpo sem vida ou dando o clássico “olhar psicopata”, e os espectadores estão acostumados a ver pessoas com psicopatia como quase robóticas.
A crença de que as pessoas com psicopatia não têm emoção é difundida não apenas entre leigos, mas também entre psicólogos.
Há um elemento de verdade aqui: uma pesquisa considerável descobriu que indivíduos com psicopatia apresentam uma capacidade reduzida de processar emoções e reconhecer as emoções dos outros.
Mas meus colegas e eu estamos encontrando evidências de que indivíduos com psicopatia realmente podem identificar e experimentar emoções nas circunstâncias certas.
No meu laboratório, estamos realizando experimentos que revelam uma relação complexa entre psicopatia e emoções.
Em um estudo, examinamos a suposta falta de medo de indivíduos com psicopatia usando um simples teste de laboratório.
Mostramos a um grupo de participantes a letra “n” e caixas coloridas em uma tela. Ver uma caixa vermelha significava que um participante poderia levar um choque elétrico; caixas verdes significavam que não. A cor da caixa, portanto, sinalizava uma ameaça.
Um breve aparte: os choques não foram prejudiciais, apenas um pouco desconfortáveis, e este estudo foi aprovado pelo conselho de revisão de proteção de seres humanos.
Em algumas tentativas, pedimos ao participante que nos dissesse a cor da caixa (forçando-o a se concentrar na ameaça). Em outras tentativas, pedimos ao participante que nos contasse se a letra era maiúscula ou minúscula (forçando-o a se concentrar na não ameaça), embora a caixa ainda estivesse exposta.
Pudemos ver que indivíduos com psicopatia apresentaram respostas de medo com base em suas reações fisiológicas e cerebrais quando tiveram que se concentrar na ameaça de choque.
No entanto, eles mostraram um déficit nas respostas de medo quando tiveram que nos contar se a letra era maiúscula ou minúscula e a caixa foi secundária a essa tarefa.
Evidentemente, indivíduos com psicopatia são capazes de vivenciar emoções; eles apenas têm uma resposta emocional menos intensa quando sua atenção é direcionada para outra coisa.
Esta é uma versão extrema do tipo de processamento que todos nós fazemos.
Na tomada de decisões de rotina, raramente nos concentramos explicitamente na emoção. Em vez disso, usamos informações emocionais como um detalhe de fundo que informa nossas decisões.
A implicação é que os indivíduos com psicopatia têm uma espécie de miopia mental: as emoções estão lá, mas são ignoradas se puderem interferir no alcance de um objetivo.
Pesquisas em meu laboratório e em outros descobriram evidências adicionais de que indivíduos com psicopatia são capazes de experimentar e rotular emoções ao no contexto de observar cenas ou rostos emocionais, a dor dos outros e experiências de arrependimento.
Aqui, de novo, os indivíduos com psicopatia são capazes de processar a emoção quando se concentram na emoção, mas apresentam déficits quando a emoção é difícil de detectar ou é secundária ao seu objetivo.
Muitos estudos mostraram que indivíduos com psicopatia são ótimos em usar informações e regular seu comportamento se for diretamente relevante para seu objetivo; por exemplo, eles podem agir de forma encantadora e ignorar emoções para enganar alguém.
Mas quando a informação está além de seu foco imediato de atenção, eles geralmente exibem comportamento impulsivo (como deixar um emprego sem ter um novo) e tomadas de decisão chocantes (como dar publicidade para um crime enquanto são procurados pela polícia).
Eles têm dificuldade em processar emoções, mas, ao contrário dos personagens comuns na televisão, eles não têm inerentemente sangue frio.
A imagem do assassino destemido baseia-se em uma concepção científica ultrapassada de psicopatia. Em vez disso, parece que as pessoas com psicopatia podem acessar emoções – mas as informações emocionais são sufocadas pelo foco nos objetivos.
Todos podem mudar
Uma das falácias mais prejudiciais sobre a psicopatia – na ficção, nos noticiários e em parte da literatura científica antiga – é que ela é uma condição permanente e imutável.
Essa ideia reforça o tropo atraente do bem contra o mal, mas as pesquisas mais recentes contam uma história bem diferente.
Traços de psicopatia diminuem naturalmente ao longo do tempo para muitos jovens, começando no final da adolescência até a idade adulta.
Samuel Hawes, psicólogo da Florida International University, nos Estados Unidos, e seus colaboradores acompanharam mais de mil indivíduos desde a infância até a idade adulta, medindo repetidamente seus traços de psicopatia.
Embora um pequeno grupo tenha mostrado níveis persistentemente altos de traços psicopáticos, em mais da metade dos meninos que inicialmente apresentavam altos níveis desses traços, isso tendia a diminuir ao longo do tempo, e eles não os apresentavam mais tarde na adolescência.
Com a intervenção adequada, as perspectivas de melhoria se ampliam. Estamos descobrindo que jovens com traços de psicopatia e adultos com psicopatia podem mudar e responder a tratamentos adaptados às suas necessidades.
Vários estudos documentaram a eficácia de tratamentos específicos projetados para ajudar os jovens a aprender a identificar e responder às emoções.
Intervenções parentais que se concentram em aumentar a conexão emocional com o cuidador e ajudar os jovens a identificar emoções parecem reduzir sintomas e comportamentos problemáticos.
Em uma série de experimentos, investigamos videogames projetados para treinar o cérebro de indivíduos com psicopatia, ajudando-os a melhorar a maneira como integram informações.
Por exemplo, mostramos um rosto a um grupo de participantes e os instruímos a responder com base na emoção que veem e na direção em que os olhos estão olhando, treinando-os para integrar todas as características do rosto.
Ou jogamos um jogo no qual mostramos aos participantes uma série de cartas e vemos se eles conseguem notar quando mudamos as regras, trocando qual é uma carta vencedora ou perdedora.
Os participantes não são informados quando a mudança acontecerá, então, eles precisam aprender a prestar atenção às sutis mudanças contextuais à medida que avançam.
Nossos dados preliminares mostram que tarefas baseadas em laboratório como essas podem mudar o cérebro e o comportamento de indivíduos com psicopatia.
Tais estudos abrem a possibilidade de reduzir os danos sociais e pessoais causados pela psicopatia.
Acredito que a sociedade precisa aposentar os mitos de que os indivíduos com psicopatia
são fundamentalmente violentos, sem emoção e incapazes de mudança.
O comportamento de indivíduos com psicopatia é fascinante – tanto que não precisa ser embelezado para criar enredos dramáticos.
Devemos trabalhar mais para ajudar os indivíduos com psicopatia para que possam perceber mais informações em seu ambiente e usar mais sua experiência emocional.
A cultura pop pode ajudar em vez de atrapalhar esses objetivos.
*Arielle Baskin-Sommers é professora assistente de Psicologia da Universidade Yale, nos Estados Unidos.
Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons. Leia a versão original (em inglês).
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Fonte Notícia: www.bbc.com