Rússia x Ucrânia: como é a guerra de propaganda russa no Twitter
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- James Clayton
- Repórter de tecnologia na América do Norte
Olena Kurilo tornou-se o rosto da invasão da Ucrânia pela Rússia. Ensanguentada e enfaixada, a professora de 53 anos disse que não conseguia acreditar no que havia acontecido com ela e sua cidade de Chuhuiv.
Sua foto (abaixo) estava nas primeiras páginas de jornais de todo o mundo.
Nos dias seguintes, as contas de rede social do governo da Rússia começaram a postar um vídeo alegando que Olena não havia sido ferida.
“Ótimas fotos, aliás, estavam em todos os noticiários”, diz o narrador russo.
O vídeo afirma que Olena foi fotografada dois dias depois, ilesa.
“Alguns dias depois, que bom para ela, nem um arranhão.”
Esta afirmação é infundada. A BBC verificou a foto como genuína, assim como a Reuters. Teorias da conspiração como essas não são incomuns nas mídias sociais.
Mas o que torna essa teoria da conspiração tão particular é que ela foi compartilhada por uma conta oficial do governo russo no Twitter – Russian Mission in Geneva (ou Missão Russa em Genebra). Duas semanas depois, o tuíte ainda está no ar.
O governo russo tem uma enorme rede de contas oficiais no Twitter. A BBC encontrou mais de 100 delas – desde contas que representam missões ou embaixadas estrangeiras, com alguns milhares de seguidores, até aquelas com mais de um milhão de seguidores. O presidente Putin tem sua própria conta. Muitas das contas são classificadas como organizações do governo russo pelo Twitter.
No entanto, enquanto muitas dessas contas espalham desinformação, o Twitter lida com elas de maneira diferente da mídia estatal russa – como RT ou Sputnik.
Em 28 de fevereiro, o Twitter anunciou que impediria que tuítes de meios de comunicação afiliados ao estado russo fossem elegíveis para “amplificação” – o que significa que eles não seriam recomendados na linha do tempo inicial, notificações e outros espaços no Twitter. Mas o Twitter confirmou à BBC que essa política não inclui contas do governo russo.
Tim Graham, analista de mídia social do QUT Digital Media Research Center na Austrália, descreve isso como uma “brecha” nas políticas de moderação do Twitter, que permite que o governo russo distribua informações erradas.
“Certamente é um ponto cego nas defesas do Twitter contra a desinformação”, diz ele.
Intrigado com essa teia de contas do governo russo, Graham – especialista em analisar atividades coordenadas nas mídias sociais – decidiu investigar mais. Ele analisou 75 perfis de Twitter do governo russo que, no total, têm mais de 7 milhões de seguidores. As contas receberam 30 milhões de curtidas, foram retuitadas 36 milhões de vezes e respondidas 4 milhões de vezes.
Ele analisou quantas vezes cada conta do Twitter retuitou um dos outros 74 perfis em uma hora. Ele descobriu que a rede de contas do Twitter do Kremlin trabalha em conjunto para retuitar e aumentar o tráfego. Essa prática às vezes é chamada de “astroturfing” – quando o proprietário de várias contas usa os perfis que controla para retuitar o conteúdo e ampliar o alcance.
“É uma rede de retuítes coordenada”, diz Graham.
“Eles estão usando isso como um mecanismo para levar sua narrativa preferida para o Twitter, e estão conseguindo”, diz ele.
A atividade coordenada, usando várias contas, é contra as regras do Twitter.
“Você não pode amplificar artificialmente as conversas através do uso de várias contas”, dizem as regras do Twitter.
Mas o Twitter não trata todas as contas igualmente. Tuítes do governo e de políticos eleitos podem ter mais liberdade quando se trata de moderação. A empresa diz em seu site que pode haver interesse público em ver tuítes que violariam suas regras.
No entanto, a empresa não trata as contas oficiais de forma diferente quando se trata de comportamento coordenado – não há exceção.
A BBC perguntou sobre a pesquisa de Graham ao Twitter, mas a empresa não respondeu diretamente às suas descobertas.
A BBC também questionou a Embaixada da Rússia no Reino Unido sobre a sugestão de que as contas oficiais do Twitter russo se comportem de maneira coordenada – e que muitas compartilhem informações erradas. A BBC não recebeu uma resposta.
Em 10 de março, a própria embaixada tuitou que o bombardeio de uma maternidade na cidade ucraniana de Mariupol era falso. A conta alegou que as mulheres retratadas na cena eram atrizes.
Foi postada uma foto de uma mulher sendo carregada em uma maca, com as palavras “FAKE” (falso) coladas sobre a imagem. A alegação era falsa. Poucos dias depois, foi relatado que ela e seu bebê haviam morrido.
O Twitter excluiu vários tuítes que traziam a alegação de “FAKE” depois que a BBC os sinalizou. No entanto, existem muitos outros exemplos de desinformação por parte da Rússia nas contas do governo russo no Twitter.
A alegação infundada de que Olena Kurilo não estava realmente ferida ainda está ativa – foi retuitada por mais de 20 contas separadas do governo russo.
Alegações infundadas de que a Ucrânia tem armas biológicas foram compartilhadas pela rede russa e ainda estão em vigor – assim como as alegações de um ataque químico iminente supostamente preparado por ucranianos.
O problema do Twitter é que provar que o conteúdo é falso pode ser confuso e complexo em tempos de guerra.
Savvas Zannettou, que analisa a moderação das mídias sociais na Delft University of Technology, na Holanda, diz que a guerra torna o policiamento das mídias sociais ainda mais difícil.
“Moderar de forma eficaz é impossível… a informação vem em um ritmo muito rápido e vem de todos os lugares”, diz ele.
Parece que duas coisas estão acontecendo aqui. A ocorrência de informações confusas e incompletas significam que apenas exemplos de desinformação fáceis de provar são retirados em plataformas como o Twitter.
Além disso, as próprias exceções de interesse público do Twitter significam que os tuítes de funcionários do governo podem ser tratados de forma diferente de outras contas.
A BBC perguntou ao Twitter se as publicações de ministérios e embaixadas russos foram incluídos em suas exceções de interesse público, mas a empresa não respondeu a essa pergunta específica.
O Twitter disse: “Realizamos várias ações de fiscalização nas contas da embaixada russa, incluindo exigir a remoção de tuítes”.
O Twitter também disse que faria mais nos próximos dias para sinalizar contas vinculadas ao Kremlin. “Vamos expandir nossas sinalizações de contas governamentais para outras embaixadas russas para adicionar contexto às pessoas que interagem com essas contas no Twitter”.
As contas de mídia social do Kremlin também existem no Facebook e em outras plataformas – isso não é uma dor de cabeça limitada ao Twitter.
Em janeiro de 2021, após os tumultos no Capitólio, o Twitter baniu Donald Trump por seu papel na repetição de alegações de fraude eleitoral. O Twitter argumentou que a desinformação repetida, postada de uma posição de poder, causou violência no mundo real.
Como contas oficiais russas continuam a postar desinformações em tempos de guerra, é possível que o Kremlin acabe enfrentando outra sanção – desta vez, no Twitter.
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