‘Síria foi escola de guerra para Rússia invadir Ucrânia depois’, diz especialista
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- Lioman Lima – @liomanlima
- BBC News Mundo
Alegações de bombas e mísseis em hospitais, maternidades, creches e escolas. Apartamentos e bairros residenciais reduzidos a escombros, cidades sitiadas, civis mortos a tiros tentando escapar.
Por duas semanas, a Ucrânia tem sido o campo de batalha da guerra de maior escala na Europa em quase 80 anos.
Mas as imagens que vêm de lá, para muitos especialistas, historiadores e políticos, são lembranças de outra tragédia vivida há menos de uma década no Oriente Médio — da qual o Exército russo também participou.
Na última sexta-feira (11/3), o presidente russo, Vladimir Putin, anunciou que seu país buscaria combatentes do Oriente Médio para lutar na Ucrânia, confirmando o que relatórios de inteligência ocidentais já haviam indicado.
Mas, em 2015, os soldados do Kremlin fizeram o caminho inverso: foram enviados à Síria na primeira operação militar fora do território russo desde a queda da União Soviética (URSS).
Aviões e tropas de Putin apoiaram o governo do presidente sírio, Bashar al-Assad, seu aliado, e lançaram uma das campanhas mais sangrentas da longa guerra civil que aquele país enfrenta desde 2011.
Cidades inteiras, como Aleppo, foram bombardeadas enquanto relatos de supostos “crimes de guerra” se multiplicavam.
Menos de uma década depois, perguntas semelhantes se repetem após a invasão e os bombardeios na Ucrânia.
“A Síria foi a escola de guerra da Rússia para depois invadir a Ucrânia”, diz Jennifer Cafarella, diretora do Instituto para o Estudo da Guerra e membro visitante do Instituto de Segurança Nacional dos Estados Unidos, à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC.
De fato, segundo a especialista, que há anos estuda as campanhas militares do Kremlin na Síria, uma análise do avanço russo sobre a Ucrânia mostra que são as tropas que estiveram no país árabe que tiveram o maior sucesso.
“As operações militares mais eficazes que estamos vendo na Ucrânia são aquelas que ocorrem fora da Crimeia, onde o Distrito Militar do Sul da Rússia está pressionando de maneira efetiva para conquistar essencialmente o litoral ucraniano”, explica ela.
“E isso é relevante porque o Distrito Militar do Sul e seu comandante são os que comandam a guerra na Síria. Então, de muitas maneiras, é a unidade mais experiente que os russos têm na Ucrânia, o que pode explicar por que eles estão tendo relativamente mais sucesso em solo”, acrescenta.
Mas Cafarella garante que a incursão das tropas de Putin para defender Assad serviu não só como treinamento, mas também para o uso de armas e prática de algumas das táticas e abordagens de guerra que agora são vistas na Ucrânia, guardadas as devidas proporções entre os dois conflitos.
“Há muitas diferenças notáveis entre os dois conflitos, mas definitivamente a Síria foi o laboratório onde foram testadas as armas e as táticas que agora são usadas na Ucrânia”, diz ela.
Confira os principais trechos da entrevista.
BBC News Mundo – Vamos começar falando sobre essas diferenças. Como a incursão militar russa na Síria se compara à atual invasão da Ucrânia?
Cafarella – Para começar, é importante notar que o caráter da campanha militar que os russos realizaram na Síria é muito diferente do que está acontecendo na Ucrânia.
Na Síria, os russos estavam essencialmente apoiando um esforço de guerra em andamento pelo regime sírio e pelo Irã, e fornecendo poder aéreo para dar apoio a uma série de diferentes milícias em solo.
Agora, na Ucrânia, estamos vendo uma invasão em grande escala, que em muitos aspectos é uma tarefa muito mais complexa do que o envio de um pequeno número de forças russas como o que aconteceu na Síria.
Se na Síria o Exército russo estava enfrentando uma insurgência ou combatentes do grupo autodenominado Estado Islâmico, agora realiza ou tenta realizar uma campanha de manobra convencional contra outro Exército convencional, o ucraniano.
Portanto, tanto o combate quanto as operações militares que os russos estão realizando na Ucrânia são muito diferentes agora.
BBC News Mundo – Apesar da diferença no tipo e escala das operações, muitos analistas militares apontaram semelhanças entre a estratégia russa empregada na Síria e o que vemos hoje nas cidades ucranianas.
Cafarella – Existem várias semelhanças, como o uso de ataques aéreos e de artilharia, além de mísseis contra áreas civis, especialmente nas cidades, na tentativa de aterrorizar a população, seja para subjugá-la ou obrigá-la a fugir para despovoar a Ucrânia.
Essa é uma tática que os russos usaram na Síria. E começamos a vê-los fazer isso em grande escala durante a semana passada na Ucrânia.
Os russos também estão tentando arrastar a Ucrânia e o Ocidente para negociações. É semelhante ao que fizeram na Síria, onde ofereceram concessões, como corredores humanitários ou outras opções, enquanto tentaram resolver problemas logísticos.
Ou seja, violam esses acordos e, essencialmente, usam o tempo que ganham em cada uma dessas negociações para continuar a reforçar suas tropas em solo ou se preparar para uma nova investida militar.
Esse é exatamente o tipo de comportamento ardiloso da Rússia que temos visto consistentemente na Síria.
Deve-se notar também que, ao contrário da Síria, os russos ainda estão lutando contra um Exército convencional. Eles não conseguiram desmembrar o governo e transformar os militares em uma insurgência.
A unidade do Exército ucraniano permanece intacta. Mas isso pode mudar se os russos apertarem significativamente o cerco ou conseguirem dominar os ucranianos nas próximas semanas.
E se os russos enfrentarem uma insurgência na Ucrânia, podemos começar a ver mais semelhanças e cenas ainda mais dolorosas do que vimos em Aleppo.
BBC News Mundo – Em que sentido?
Cafarella – A contribuição central que os russos fizeram no início da intervenção síria foi com seu poder aéreo, fundamental para permitir um grupo de milícias pró-Assad, incluindo milícias sírias e grupos de combatentes estrangeiros fornecidos pelo Irã.
O poder aéreo russo foi suficiente para permitir que esses grupos obtivessem uma grande vitória no campo de batalha, com o cerco e eventual recaptura de bairros controlados pela oposição em Aleppo, a segunda maior cidade da Síria.
Agora, apesar dos frequentes bombardeios de áreas civis que vimos, as tropas russas ainda não atingiram a Ucrânia com a mesma força que fizeram contra a Síria.
As ações de sua força aérea foram limitadas, o que é uma das surpresas deste conflito, e a defesa aérea da Ucrânia continua funcionando.
Mas claro que isso pode mudar nas próximas semanas.
Se as cidades ucranianas começarem a cair e os russos estiverem enfrentando uma insurgência, poderemos começar a ver mais semelhanças em como eles combatem essa insurgência e o que fizeram na Síria.
BBC News Mundo – A sra. mencionou que o bombardeio de Aleppo serviu para abrir caminho para a entrada de milícias e grupos estrangeiros. Nos últimos dias, há indícios de que a Rússia está tentando contratar mercenários sírios para levá-los à Ucrânia.
Cafarella – O envio de sírios para a Ucrânia parece ter como objetivo resolver o problema de mão de obra que os russos estão enfrentando devido à série de baixas que sofreram.
E isso pode ficar pior se começarem a lutar contra uma insurgência armada, cidade por cidade.
Enquanto os russos foram bem sucedidos em permitir a tomada de Aleppo, o custo foi muito alto, especialmente para as forças da milícia síria em solo, que sofreram pesadas baixas e essencialmente exigiram que os iranianos mobilizassem os militares convencionais para derrotá-los.
Os russos aprenderam isso com a guerra urbana. Mesmo quando não são os russos que estão lutando em solo, é extremamente caro e leva muito tempo para ser derrotado.
Tenho reservas sobre o papel que os sírios podem ter neste conflito, porque eles não são uma força de combate altamente capacitada.
Combater insurgentes não é o mesmo que lutar contra um Exército convencional como o ucraniano.
Portanto, é mais provável que a Rússia use essas forças sírias para realizar tarefas de apoio, como proteger a infraestrutura que capturou ou proteger postos de controle, esses tipos de atividades intensivas que não envolvem necessariamente combate na linha de frente.
BBC News Mundo – Antes da invasão, muitos especialistas temiam que a Ucrânia caísse em questão de dias, no entanto, os militares russos não conseguiram derrotá-los. Por quê?
Cafarella – Um líder nunca sabe totalmente como seu Exército se comportará até que esteja no campo de batalha. E isso é uma constante na guerra.
Então, parte do que estamos vendo na Ucrânia é apenas o fator desconhecido do que acontece quando dois países, duas forças militares, entram em guerra.
Nesse caso, os russos mostraram um desempenho pior do que o esperado e os ucranianos, um desempenho melhor do que o esperado.
Os russos parecem ter um problema moral muito sério porque suas forças não esperavam lutar esta guerra e não estavam mentalmente preparadas para a escala de combate que enfrentariam.
Há também falhas claras na preparação russa e talvez no treinamento para conduzir operações de armas combinadas, mas também nos conceitos básicos de logística e suprimentos.
E é por isso que vimos todos esses vídeos que viralizaram de comboios russos sem combustível ou soldados russos sem comida.
Tudo indica que a força militar russa que invadiu a Ucrânia não estava totalmente preparada.
BBC News Mundo – E por que a sra. acha que os ucranianos tiveram um desempenho além do esperado?
Cafarella – Neste caso, há o fator de que a Ucrânia está lutando por sua pátria, então a moral ucraniana é muito alta, já que existe uma clareza de propósito.
E os ucranianos conseguiram se unir atrás de sua bandeira, por assim dizer, e atrás de seu presidente, Volodomir Zelensky, que provou ser um líder militar muito eficaz.
Se compararmos as fotografias de Zelensky, vestido informalmente, falando diretamente com seu povo, ou com as tropas nas trincheiras, e as de Putin, de terno e gravata, separado de seus ministros por uma mesa muito comprida, podemos obter uma ideia de por que esses dois Exércitos estão agindo da maneira como temos visto no campo de batalha.
BBC News Mundo – O que Putin estava buscando na Síria e o que a sra. acha que ele está buscando agora na Ucrânia?
Cafarella – Os objetivos das incursões na Síria e na Ucrânia são muito diferentes.
Putin está na Síria essencialmente como uma tentativa de poder global. Ele está criando um ponto de apoio no Oriente Médio que lhe permita pressionar o flanco sul da Otan e que também lhe proporcione um trampolim para operações militares e alcance diplomático não só na região, mas também na África.
Quero dizer, de muitas maneiras, a intervenção da Rússia na Síria é apenas parcialmente sobre a Síria, uma vez que tem objetivos geopolíticos muito maiores que independem da estabilidade naquele país.
E os russos certamente não procuram integrar a Síria à Federação Russa. Putin não acredita que a Síria seja russa.
Algo diferente está acontecendo na Ucrânia, onde os objetivos de Putin parecem mais voltados para a conquista e integração de seus territórios na Federação Russa.
Ele se vê como um novo imperador tentando recriar um império russo. E deu o primeiro passo com a Ucrânia.
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Fonte Notícia