Troca de comando na Petrobras dificilmente levaria a nova política de preços, dizem analistas
- Julia Braun
- Da BBC News Brasil em São Paulo
A Petrobras anunciou nesta sexta-feira (17/06) novo reajuste nos preços da gasolina e do diesel vendidos às distribuidoras — o aumento valerá de sábado (18/06).
Com a mudança, o preço médio de venda de gasolina da Petrobras para as distribuidoras passará de R$ 3,86 para R$ 4,06 por litro (alta de 5,18%). Para o diesel, o preço médio passará de R$ 4,91 para R$ 5,61 por litro (alta de 14,26%).
O anúncio intensificou ainda mais a pressão por mudanças na política de preços da Petrobras por parte do governo.
O presidente Jair Bolsonaro (PL) chamou o novo reajuste de “traição com o povo brasileiro” e afirmou que está articulando com a cúpula da Câmara dos Deputados a criação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar a direção da Petrobras.
Em entrevista à rádio 96 FM de Natal, Bolsonaro também afirmou que o comando da Petrobras está “boicotando” o Ministério de Minas e Energia ao impedir a substituição do presidente da estatal e de outros membros do conselho de administração.
O mandatário também insinuou que seu governo pretende garantir uma mudança na política de preços da empresa com a mudança no comando.
“Na troca, a gente pode colocar gente competente lá dentro [da Petrobras] para poder entender o fim social da empresa e não conceder esse reajuste, que destrói a economia brasileira e leva inflação para toda a população. Leva perda de poder aquisitivo para toda a população, que já vive uma situação bastante crítica no tocante ao seu poder aquisitivo”, afirmou Bolsonaro.
Em maio, o Ministério de Minas e Energia anunciou a demissão de José Mauro Ferreira Coelho da presidência da empresa e a indicação de Caio Mário Paes de Andrade, atual secretário de Desburocratização do Ministério da Economia, para o posto.
Mas a troca esbarrou nos trâmites legais definidos para a substituição e, mesmo que o nome de Paes de Andrade seja aprovado internamente, ele não deve assumir o comando da estatal antes do fim de julho pelo calendário previsto.
Porém, assim como aconteceu com as demissões de Roberto Castello Branco, em fevereiro de 2021, e Joaquim Silva e Luna, em março deste ano, economistas consultados pela BBC News Brasil avaliam que a saída de Ferreira Coelho não deve resultar em uma mudança significativa nos rumos da empresa.
Isso porque, segundo os especialistas, uma mudança na política de preços da Petrobras para impedir o aumento do valor dos combustíveis no Brasil seria arriscada e extremamente custosa para o presidente da companhia em termos legais.
“Na eventualidade da troca do presidente da Petrobras, o novo indicado pode até adotar uma política de preços diferente da atual, mas estará sujeito a questionamentos jurídicos por deixar de atender ao interesse dos acionistas em detrimento de atender questões políticas”, diz Rafael Schiozer, professor da FGV-EAESP.
“Vimos que o presidente Bolsonaro tentou usar uma estratégia semelhante em duas ocasiões no passado, ao colocar Roberto Castello Branco e [posteriormente] o general Joaquim Silva no comando, mas não deu certo.”
“O presidente da República corre grande risco de fazer uma nova troca e, quando o CEO estiver de fato no poder, se recusar a fazer qualquer grande mudança por medo de ferir os interesses dos acionistas”, completa Schiozer.
A Petrobras adota o chamado preço de paridade de importação (PPI) desde 2016, que vincula o valor dos derivados de petróleo ao comportamento dos preços dos produtos em dólares no mercado internacional.
O presidente Bolsonaro elevou recentemente o tom das críticas a essa política e nesta sexta afirmou que “a Petrobras pode mergulhar o Brasil num caos” com os reajustes nos combustíveis.
Mas os conselheiros da Petrobras podem ser questionados legalmente pelos acionistas minoritários sobre mudanças na política de preços que prejudiquem as contas da estatal. Eles estão protegidos por duas leis que regem esse tema: a Lei das SAs (Lei das Sociedades por Ações), de 1976, e a Lei de Responsabilidade das Estatais, de 2016.
As leis determinam que as estatais sejam operadas obedecendo a critérios de governança e estabelecem uma série de obrigações aos sócios, à distribuição de dividendos e aos sócios minoritários.
A Lei das Estatais também veda participação de integrantes do governo ou de partidos políticos no conselho. E exige experiência em empresas da mesma área de atuação ou porte semelhante, como docência na área de atuação da empresa ou em cargo de confiança na administração pública.
Já o estatuto da Petrobras determina compensação pela União caso a estatal seja instada a cumprir seu interesse público e haja diferenças “entre as condições de mercado definidas e o resultado operacional ou retorno econômico da obrigação assumida”.
“É conhecido que a extensão dos instrumentos internos de governança para atribuir responsabilidade é muito bem feita. E o que decorre daí é que qualquer um que tente ‘dar um jeitinho’ para burlar as leis certamente será processado fora da empresa”, diz o economista-chefe do banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves.
Após uma política de controle de preços na estatal na gestão da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), ex-membros do Conselho de Administração da Petrobras chegaram a ser julgados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
A acusação entendia ter havido falha no dever de lealdade dos conselheiros, por terem induzido investidores a erro ao retardar decisão sobre mudanças na precificação dos produtos.
Entre os acusados estavam também o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, a ex-ministra do Planejamento e ex-presidente da Caixa Miriam Belchior e o ex-presidente do BNDES Luciano Coutinho. Mas o julgamento terminou em 2021 com a absolvição dos investigados.
“Hoje os executivos da Petrobras poderiam sofrer consequências piores se uma política clara de não repasse de preços fosse adotada”, afirma Rafael Schiozer.
Para Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, ações que desafiem a estrutura de governança da estatal também podem ter impactos negativos no mercado.
“Tentar interferir na Lei das Estatais ou mudar a estrutura jurídica da relação do Estado com a Petrobras teria repercussão negativa no mercado. Durante o governo Dilma, sempre que havia algum tipo de interferência, o câmbio era pressionado e os valores, acumulados. No fim das contas, após algum tempo o preço teve que ser repassado para a população de qualquer forma e a empresa foi prejudicada”, diz.
Clima eleitoral
O presidente Bolsonaro não foi o único que criticou o reajuste no preço dos combustíveis.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas), afirmou no Twitter que Ferreira Coelho deveria “renunciar imediatamente” à presidência da empresa.
Em entrevista à GloboNews, o parlamentar afirmou ainda que o Congresso debaterá a política de preços e de distribuição de lucros da estatal na próxima semana.
Questionado sobre uma eventual mudança na taxação de lucros da Petrobras, Lira disse que há “toda possibilidade” de que o tema seja discutido.
Na mesma linha, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (Progressistas), pediu um “basta” e disse que a empresa “não pode abandonar os brasileiros na maior crise do último século”.
Para os analistas ouvidos pela BBC News Brasil, as falas de Bolsonaro, Lira e Nogueira fazem parte de uma estratégia para vilanizar a Petrobras em um momento de alta de preços dos combustíveis, reduzindo o impacto do atual cenário em suas campanhas eleitorais.
“É um movimento esperado diante do cenário eleitoral atual, em que o presidente aparece em segundo lugar nas pesquisas”, avalia Lima Gonçalves.
“O presidente quer mostrar que está fazendo o possível para segurar os preços dos combustíveis”, diz Rafael Schiozer.
“Nesse momento, me parece uma tentativa de responsabilizar a Petrobras pela alta, quando na verdade trata-se de uma elevação mundial do valor barril de petróleo e de uma taxa de câmbio depreciada que é reflexo da inépcia fiscal.”
‘Cabo de guerra é ruim para a companhia’
Para os especialistas, porém, as declarações de membros do governo e a incerteza em relação à política de preços da Petrobras são ruins para a saúde da estatal e para a economia brasileira como um todo.
Após a petroleira anunciar o novo aumento do preço dos combustíveis, as ações ordinárias da empresa (aquelas com direito a voto) caíram 7,25%, cotadas a R$ 29,93, e as preferenciais (sem direito a voto) recuaram 6,09%, a R$ 27,31.
“Nesse momento, os investidores estão cautelosos por conta da incerteza e vendendo os papéis. Esse cabo de guerra entre os executivos da companhia e o acionista controlador, na pessoa do presidente da República, é muito ruim para a companhia”, avalia o professor da FGV-EAESP.
Para o economista Sergio Vale, a tentativa do governo de conter os preços via Petrobras coloca mais pressão na taxa de câmbio e pode piorar não só o valor dos combustíveis, mas outros preços da economia que estejam relacionados de alguma forma às importações.
“Se o governo continuar com a pressão sobre a Petrobras, tentando interferir na governança da empresa, o câmbio vai sofrer ainda mais e será necessário rever a projeção de inflação para cima”, avalia.
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Fonte Notícia: www.bbc.com