As pessoas punidas por manifestar seus sentimentos no trabalho
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- Zulekha Nathoo
- BBC Worklife
Todas as empresas têm normas sociais implícitas sobre como se espera que os funcionários se sintam em uma dada situação e como esses sentimentos devem ser expressos.
Estas normas são conhecidas como “regras de sentimentos” e são tão arraigadas nas nossas interações sociais e no trabalho que raramente dedicamos muita atenção a elas.
Quando um colega anuncia que está noivo, por exemplo, as regras de sentimentos determinam que você deve demonstrar alegria. Quando seu chefe diz que a equipe acabou de perder uma conta, a sensação apropriada poderá ser de frustração ou até raiva.
A decepção relativa ao trabalho muitas vezes é tolerada, particularmente se junto com ela vier o empenho para encontrar a solução.
Mas nem todas as demonstrações de emoção são tratadas igualmente. Segundo especialistas, o que é ou não é considerado “apropriado” pode depender do funcionário envolvido.
Já sabemos, por exemplo, que as mulheres que levantam a voz em um ambiente profissional podem ser consideradas beligerantes, enquanto um homem que se comporta da mesma forma seria visto como assertivo ou até como um líder.
Mas pesquisas sugerem que não só a questão de gênero influencia as regras de sentimentos — existe também uma distinção racial.
Dados indicam que, quando trabalhadores não brancos demonstram suas emoções, seus sentimentos podem despertar reações diferentes em comparação com trabalhadores brancos demonstrando as mesmas emoções.
Isso força os funcionários não brancos a se auto-observar no local de trabalho, para evitar que os colegas interpretem incorretamente suas emoções com prejuízo para suas carreiras — o que aumenta significativamente sua carga emocional.
‘Você vê os olhares’
Ao longo dos anos, diversos estudos demonstraram como as regras de sentimentos são aplicadas de forma diferente a homens e mulheres. A conclusão recorrente é que as pessoas julgam emoções como raiva, tristeza e frustração com muito mais rigor quando demonstradas por uma mulher do que por um homem.
Pesquisadores concluíram que mulheres que choram no trabalho podem ser consideradas fracas ou não profissionais, enquanto se acredita que há fatores externos por trás das lágrimas dos homens.
Da mesma forma, homens que demonstram raiva muitas vezes podem usá-la como ferramenta de gestão eficaz para mostrar competência, enquanto as mulheres são consideradas ineptas ou até antagônicas.
Em um projeto de 2014, 170 estudantes de graduação assistiram a um vídeo de declarações finais de advogados em um julgamento. Solicitou-se aos participantes que fornecessem um veredicto e avaliassem a competência dos advogados.
Litigantes homens com raiva receberam as avaliações mais altas no estudo, enquanto litigantes mulheres com raiva receberam as notas mais baixas. Como se não bastasse, os estudantes atribuíram a raiva das mulheres ao seu estado emocional, mas atribuíram a raiva dos homens à situação em si.
É difícil analisar a razão exata da disparidade de gênero, mas ela muitas vezes é causada por estereótipos enraizados, além da falta de visibilidade das mulheres em posições de liderança, ao contrário dos cargos de apoio.
Mais recentemente, pesquisas demonstraram um fenômeno similar em termos de como as pessoas observam as emoções de funcionários não brancos no local de trabalho, em comparação com seus colegas brancos.
Mesmo se os profissionais adotarem as regras de sentimentos “padrão”, evidências indicam que funcionários não brancos — particularmente, funcionários negros — também precisam controlar as emoções que eles produzem nos outros, para não se arriscarem a sofrer consequências negativas.
Robert, executivo de mídia negro do Reino Unido, afirma que, se ele ficar muito entusiasmado ao falar sobre um projeto em um ambiente profissional, as pessoas à sua volta muitas vezes observam essa emoção de forma diferente da sua intenção.
“Posso ver na sua linguagem corporal e nos seus olhos que eles ficam um pouco assustados comigo quando entro em modo totalmente passional”, afirma Robert, cujo sobrenome é omitido para proteger sua segurança no trabalho.
“Especialmente como homem negro, acho que muitas pessoas simplesmente têm medo de você. Você levanta levemente a voz e observa o olhar. As pessoas não dizem nada, mas você observa um olhar de medo.”
‘Apaixonados’ x ‘radicais’
Os pesquisadores afirmam que experiências como a de Robert acontecem com frequência nos locais de trabalho e nas interações diárias.
Um estudo publicado em abril por Stephanie Ortiz, professora de sociologia da Universidade de Massachusetts em Lowell, perto de Boston, nos Estados Unidos, demonstra como as regras de sentimentos são interpretadas de forma substancialmente diferente, dependendo da etnia do funcionário.
Ortiz realizou entrevistas com funcionários em centros LGBTQ+ de faculdades em várias partes dos Estados Unidos.
As perguntas se concentraram em como os administradores percebiam suas emoções quando os funcionários tentavam discutir problemas de racismo e discriminação sofridos pelos estudantes.
As análises revelaram que os funcionários brancos que demonstravam raiva em nome dos estudantes para os administradores eram considerados “apaixonados pelo seu trabalho”. Mas funcionários não brancos eram considerados “radicais” e “não eram encarados como sendo da equipe quando expressavam raiva” em relação a microagressões ou preconceitos sofridos pelos estudantes.
Uma entrevistada mexicana relatou que os surtos do seu supervisor branco eram considerados apaixonados, enquanto ela era aconselhada a ser menos emotiva para não “assustar os vizinhos”.
Os pesquisadores concluíram que o racismo internalizado e o viés inconsciente muitas vezes fazem com que a raiva e outras emoções dos profissionais não brancos sejam percebidas, nos espaços majoritariamente brancos, como mais “ameaçadoras” que emoções similares de trabalhadores brancos.
Por isso, os funcionários não brancos muitas vezes precisam controlar significativamente suas emoções nas discussões sobre raça e desigualdade, para evitar o risco de serem considerados antagônicos.
“Do contrário, o seu próprio trauma seria considerado algo não profissional, e parte da promoção de uma agenda”, afirma Chad Mandala, estudante de doutorado em educação superior da Universidade da Geórgia, nos Estados Unidos, que trabalhou ao lado de Ortiz no estudo.
Já a socióloga Adia Wingfield, em sua pesquisa sobre regras de sentimentos, mostrou que os profissionais negros controlam regularmente suas demonstrações de emoção, não porque sejam inadequadas, mas porque essas emoções podem ser mal interpretadas pelos demais.
Ela argumenta que as regras de sentimentos nos locais de trabalho não foram necessariamente estabelecidas com os trabalhadores não brancos em mente, o que oferece mais espaço para que os colegas as decodifiquem de maneira incorreta — especialmente quando os estereótipos orientam essas interpretações. E isso pode trazer impactos negativos consideráveis.
“Se [os trabalhadores não brancos] forem interpretados como estando com raiva, irritados, aborrecidos e frustrados, normalmente isso representará um problema importante, mesmo se eles não estiverem necessariamente se sentindo com raiva, irritados, aborrecidos e frustrados”, afirma Wingfield, que é professora da Universidade Washington em St. Louis, no Missouri, nos Estados Unidos.
“Mas essa percepção, particularmente pelos colegas brancos, muitas vezes poderá sair de controle e criar mais dificuldades e desafios para eles no trabalho.”
Interpretação injusta?
Uma entrevista com o ator Denzel Washington na televisão americana, conduzida pela âncora Katie Couric, ilustra esse problema.
Na entrevista, Couric perguntou a Washington sobre política e se “o pessoal de Hollywood deveria se ater a representar”. Ele respondeu dizendo: “Não sei quem é o pessoal de Hollywood. Hollywood é uma cidade que tem estrelas em uma calçada.”
Em um podcast recente, Couric afirmou que a entrevista a deixou “desconfortável” e “abalada”. Ela disse que Washington “meio que pulou em cima de mim”.
A reação das redes sociais foi imediata, com muitas pessoas argumentando que a interpretação de Couric era injusta, e a resposta de Washington não havia sido nada de mais. Alguns imaginaram que, se um ator branco respondesse da mesma forma, ele não teria sido considerado uma ameaça.
“Sabemos que os homens negros muitas vezes são estigmatizados como perigosos e furiosos”, comenta Stephanie Ortiz.
“A concepção [de Couric] sobre a resposta de Washington… parece muito severa.”
‘Tarefa assustadora’
O vasto efeito das diversas formas de aplicação das regras de sentimentos aos trabalhadores não brancos aumenta a pressão emocional sobre eles.
Adia Wingfield afirma que os trabalhadores precisam conciliar muitas coisas, como “fazer o seu trabalho, adequar-se às regras de sentimentos e manter-se concentrados nesse autocontrole para antecipar o conhecimento de como as pessoas poderão observar você, para ter certeza de não dar motivos para esse tipo de percepção — o que, como você pode imaginar, é uma tarefa assustadora”.
Mas deixar de fazer tudo isso pode trazer consequências importantes, segundo Ortiz e Mandala.
“Todos os participantes [dos nossos estudos] falaram sobre como tiveram que aprender as regras observando outras pessoas sofrerem suas consequências, ou quando eles próprios as sentiram”, conta Chad Mandala.
“Ou seja, eles aprenderam o que não fazer porque outras pessoas foram despedidas.”
Já Stephanie Ortiz sugere que, em vez dos profissionais não brancos arcarem com o ônus da autocensura, os locais de trabalho deveriam tentar se tornar mais inclusivos.
A solidariedade e a consciência dos colegas em grupos de trabalho que podem ter apenas um ou dois funcionários não brancos são fundamentais.
“Se você estiver em um grupo e observar uma pessoa sozinha ser atacada durante uma reunião ou se as emoções dessa pessoa não forem consideradas legítimas, você não deve aguardar uma ocasião privada em um email ou no corredor para dizer a eles mais tarde ‘olhe, a propósito, eu concordo com você'”, diz ela. “Você precisa realmente se posicionar.”
Para Robert, reprimir suas emoções segue sendo uma experiência comum e inevitável.
Mesmo depois de ganhar prêmios de prestígio, ele sabe que precisa pisar em ovos — “conter-se”, nas suas palavras — para falar com outros executivos, potenciais doadores ou diretores de companhias, evitando que suas emoções sejam mal interpretadas.
Mas ele também está se posicionando sobre este assunto.
Este tipo de incidente no local de trabalho inspirou Robert a ajudar jovens sub-representados a encontrar um caminho para entrar na indústria de comunicação.
Ele espera contribuir para uma força de trabalho diversificada que vai gerar mudanças duradouras, de forma que os trabalhadores das comunidades marginalizadas sejam totalmente abraçados com suas diferenças — e não apenas “tolerados”, segundo ele.
“Trabalho com pessoas que não tiveram experiências com outras culturas”, afirma Robert.
“Pode ser um pouco assustador para eles compreenderem quem você realmente é.”
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Fonte Notícia