Câncer: 4 novidades que podem revolucionar tratamento da doença
- André Biernath – @andre_biernath
- Da BBC News Brasil em Londres
Todos os anos, dezenas de milhares de médicos de várias partes do mundo se reúnem na cidade de Chicago, nos Estados Unidos, para conhecer as últimas novidades no diagnóstico e tratamento do câncer.
Em 2022, as novidades apresentadas no Encontro da Sociedade Americana de Oncologia Clínica deixaram médicos e pacientes especialmente esperançosos.
Na avaliação dos especialistas, as pesquisas divulgadas nesta edição trazem avanços importantes que mudam a perspectiva do combate a diversos tipos de tumores.
Entenda a seguir o que os principais avanços anunciados agora podem significar para o tratamento do câncer.
Câncer de mama: remédio beneficia um número bem maior de pacientes
O remédio trastuzumabe é utilizado no tratamento do câncer de mama há décadas.
Porém, apesar dos bons resultados, sempre teve uma limitação: só podia ser prescrito para pacientes com tumores que expressam bastante um gene chamado HER2, algo checado por meio de um exame.
Mas isso agora mudou: uma das grandes novidades do congresso foram os resultados do estudo sobre a droga trastuzumabe deruxtecan.
“Assistimos à chegada de um remédio revolucionário”, diz o médico oncologista Romualdo Barroso, coordenador de pesquisa no Hospital Sírio-Libanês em Brasília.
“Depois de muitos anos sem grandes novidades, temos uma nova opção terapêutica que aumenta a sobrevida (mais tempo de vida) das pacientes.”
Segundo Barroso, o novo remédio funciona como um cavalo de Troia (ou seja, ele parece ser uma coisa, mas funciona como outra).
O trastuzumabe é um anticorpo monoclonal, um tipo de remédio que pode ser usado tanto para prevenir quanto para tratar doenças. No caso do câncer de mama, ele se liga aos receptores que estão na superfície das células cancerosas.
Isso tem dois efeitos principais. O primeiro deles é “chamar a atenção” do sistema imunológico, que passa a enxergar o câncer como uma ameaça e dispara uma série de ações para combatê-lo.
O segundo é permitir que o deruxtecan (a segunda parte do medicamento) “invada” as células doentes. Ele é um remédio quimioterápico potente, que destrói o tumor de dentro pra fora.
Mas a novidade vai além do funcionamento: o novo remédio funciona bem até em pacientes com tumores que expressam menos o gene HER2.
Isso significa na prática que mais pessoas que pode se beneficiar desse remédio. Quase sete em cada dez pacientes, estima Barroso.
O medicamento, que é aplicado na veia a cada 21 dias, ainda depende da aprovação das agências regulatórias para ser usado nos hospitais.
Num primeiro momento, poderá ser empregado como uma segunda linha de tratamento, ou seja, quando as primeiras opções falharam e a doença se espalhou para outras partes do corpo (processo conhecido como metástase).
Segundo Barroso, é provável que, ao longo do tempo, se torne uma opção também para tumores em fases iniciais.
Mas Barroso lamenta que os tratamentos mais modernos contra o câncer não cheguem direito à rede pública de saúde (SUS) no Brasil.
“Quem tem convênio até consegue obter as medicações endovenosas [aplicadas na veia], mas os 80% de pacientes que dependem do SUS não têm acesso”, aponta.
“Há um abismo entre o que é oferecido nas redes pública e privada.”
Imagine um medicamento que consegue fazer uma doença desaparecer em todos os pacientes do estudo realizado para analisar se ele funciona ou não.
Naturalmente, um resultado positivo desses chama atenção de quem não é especialista da área.
“Mas, mesmo para nós, médicos, é muito surpreendente”, diz a oncologista Rachel Riechelmann, diretora do Departamento de Oncologia Clínica do A.C. Camargo Cancer Center, em São Paulo.
Foi exatamente o que aconteceu em um teste do dostarlimabe para o tratamento de câncer de reto (o trecho final do intestino). Ele já é usado para outros tumores, como os que afetam o endométrio (tecido que recobre o útero).
O dostarlimabe faz parte da classe das imunoterapias, que estimulam o sistema imune a atacar o tumor.
Isso evitou que precisassem partir para tratamentos mais agressivos, como cirurgia, radioterapia ou quimioterapia.
Embora o resultado seja impressionante, é preciso fazer algumas ponderações.
A primeira tem a ver com o tempo de acompanhamento. “Os seis meses de avaliação são um período curto. Pode ser que a doença reapareça em alguns anos depois”, analisa Riechelmann.
Em segundo lugar, o dostarlimabe só funciona em um grupo restrito de pacientes que têm tumores que apresentam uma característica descrita como “instabilidade de microssatélites”. Estima-se que cerca de 1% dos casos de câncer de reto se encaixam nesse critério.
Enquanto o remédio não é aprovado para o novo uso, as pesquisas continuam, até para saber por quanto tempo os pacientes realmente vivem sem esse tumor.
“Mas os resultados iniciais foram tão bons que nem faz mais sentido comparar essa imunoterapia com o que era usado antes, como químio e radioterapia”, diz Riechelmann.
“É um tratamento que se mostrou melhor e menos tóxico”, conclui.
Câncer colorretal: exame evita quimioterapia desnecessária
Geralmente, congressos internacionais de oncologia trazem avanços relacionados a novas ferramentas, métodos de diagnóstico e, claro, medicamentos.
Porém, neste ano, um trabalho sobre câncer colorretal (que afeta partes do intestino grosso) recebeu destaque justamente por seguir no caminho contrário: reduzir o número de intervenções às quais o paciente precisa se submeter.
Um grupo de pesquisadores de instituições australianas avaliou um exame que detecta pedacinhos de DNA do tumor que aparecem na circulação sanguínea. O método é conhecido como “biópsia líquida”.
Mas o que isso tem a ver com o câncer colorretal? Pacientes diagnosticados com essa doença geralmente passam por uma cirurgia para remover a parte afetada do intestino.
Após a recuperação, porém, o médico fica sempre em dúvida se restou alguma parte do tumor, mesmo que microscópica, no organismo do paciente. Caso tenha sobrado, a doença pode voltar a crescer e até se espalhar pelo corpo.
Por via das dúvidas, muitas pessoas são submetidas a uma quimioterapia após a cirurgia para eliminar qualquer célula tumoral que tenha ficado pelo caminho.
Isso diminui o risco de recidivas, mas submete os pacientes a uma terapia pesada, que pode ter efeitos colaterais.
É aí que entra o novo exame: ao detectar os pedacinhos de DNA do tumor, determina quem realmente precisa da segunda rodada de tratamento.
“Se o resultado da biópsia líquida der positivo, ele vai pra químio. Se der negativo, não precisa”, resume o oncologista Rodrigo Dienstmann, diretor médico do Oncoclínicas Precision Medicine, em São Paulo.
No estudo que validou a técnica, 455 voluntários foram divididos em dois grupos. Os primeiros 302 fizeram a biópsia líquida logo após a cirurgia. Com os 153 restantes, o médico decidiu se partia ou não para a químio.
“Naqueles que fizeram biópsia líquida, 15% foram para a químio depois. Nos demais, 28%”, informa Dienstmann.
“Ou seja: foi possível reduzir a aplicação de quimioterápicos pela metade e obter o mesmo resultado de sobrevida dos pacientes”, compara.
“A biópsia líquida tem um potencial revolucionário”, analisa o médico.
Câncer de pâncreas: esperança de tratamento de sucesso
O adenocarcinoma de pâncreas talvez figure no topo da lista de tumores com pior prognóstico.
“Esse câncer tem uma mortalidade altíssima. Cerca de 90% dos pacientes não sobrevivem por cinco anos, mesmo quando o diagnóstico é precoce”, diz o médico Paulo Hoff, presidente da Oncologia D’Or.
Nos últimos dez anos, as mudanças no tratamento desta doença se resumiram à chegada de novos quimioterápicos — os avanços relacionados aos remédios mais modernos e menos agressivos, como os imunoterápicos e os anticorpos monoclonais, não chegaram a beneficiar no caso desta doença que acomete o pâncreas.
Mas uma nova possibilidade se abriu: durante o congresso americano de oncologia deste ano, foram apresentados os primeiros testes que utilizam um método chamado CAR-T Cells contra esse tipo de câncer.
O recurso terapêutico, já aprovado contra alguns tumores do sangue (como linfomas, leucemias e mieloma múltiplo), consiste em extrair células imunológicas do próprio paciente, modificá-las em laboratório e reintroduzi-las no organismo, para que reconheçam e ataquem o tumor.
Segundo o que foi apresentado no congresso, as CAR-T Cells foram testadas em um paciente com câncer de pâncreas nos Estados Unidos. Os resultados iniciais foram positivos.
“Embora o uso dessa terapia contra o adenocarcinoma de pâncreas seja extremamente interessante, não é algo que estará disponível em nossas clínicas amanhã”, pondera Hoff, que é professor de Oncologia Clínica da Universidade de São Paulo.
“Há um longo trajeto a ser percorrido, mas ao menos agora temos uma esperança de que podemos estar no caminho certo.”
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Fonte Notícia: www.bbc.com