‘Não sabia que technology reação à prótese’: os relatos de mulheres que sofreram a ‘doença do silicone’
- Marina Alves
- BBC News Brasil
A “doença do silicone” é uma tradução do termo em inglês “breast implant illness”, utilizada pelas próprias pacientes para se referir a um conjunto de sintomas atribuídos por elas ao implante mamário.
Já a síndrome autoimune-inflamatória induzida por adjuvante ou, simplesmente, síndrome ásia, é uma doença rara reconhecida na literatura.
Apesar de não ser uma doença, propriamente dita, e ainda não haver qualquer estudo científico relacionado, há relatos de muitas mulheres que dizem ter passado por sintomas semelhantes após o implante.
Uma delas é a enfermeira e estudante de medicina, Karina Fernandes, de 34 anos, que implantou 340ml há quatro anos. Agora, ela está com a cirurgia de explante marcada para o dia 28 de maio.
Mãe de dois, Karina contou, em entrevista à BBC, que decidiu colocar a prótese após amamentar seu segundo filho. Mas as coisas não saíram como o esperado. “Eu estou com a ‘doença do silicone’ com vários sintomas associados à prótese”, afirma.
Karina lembra que cerca de 25 dias após o implante, os pontos começaram a abrir e ela precisou voltar para o centro cirúrgico.
Com o passar dos dias, começaram a surgir bolhas ao redor dos seios e muito prurido. Hoje ela acredita que o corpo estava dando sinais de rejeição, mas como era tudo muito recente ela não cogitou retirar e, invés disso, tomou antialérgico, passou pomadas e aquela “reação alérgica”, como ela mesmo definiu, melhorou.
“Com um ano e meio que estava com a prótese, eu comecei a notar alguns sintomas. Meu cabelo começou a cair muito, eu tinha um cansaço e uma fadiga que não passavam”, diz Karina.
Depois de dois anos, a sua visão começou a ficar muito embaçada, surgiu um “zumbido” no ouvido e o sono era ruim.
“Mas eram coisas sutis, eu não precisava ir para o hospital com urgência. E eu passava nos médicos, mas eles diziam que eu não tinha nada. Até aí, não imaginava que o problema era a prótese”, relembra a enfermeira.
Tudo mudou no final do ano passado, quando Karina fez uma bateria de exames para tentar identificar a causa da queda de cabelo e, em um deles, descobriu que estava com tireoidite. Esse diagnóstico virou uma “chavinha”.
Karina começou a procurar em estudos científicos respostas para os seus sintomas e, numa dessas pesquisas encontrou um artigo sobre a síndrome ásia, que citava a “doença do silicone”. Em paralelo chegou a assistir a um documentário.
Depois fez mais exames, inclusive, para avaliação de anticorpos. “E esse exame mostrou que a minha imunoglobulina estava muito alta”, diz. Com a suspeita, ela fez exames para avaliar o próprio silicone, mas não havia problema algum, exceto que uma das mamas estava mais “murcha” que a outra. A essa altura, entretanto, ela já estava convencida que o seu problema era a prótese.
“Daí o meu médico juntou todos os exames, somados aos sinais e sintomas e o convênio autorizou o explante. Eu tive que percorrer um caminho ao longo desses quatro anos de prótese”, conta.
Hoje Karina fala da “doença do silicone” no TikTok e já acumula mais de 1,4 milhão de seguidores. “Quando descobri que o meu problema era o silicone e que eu não estava doente com algo mais sério foi um alívio, porque eu tenho dois filhos”, desabafa a enfermeira.
“Eu passei por vários especialistas e nenhum deles falou que o problema poderia ser o silicone. Todos tratavam apenas os sintomas que surgiam. Eu descobri sozinha”, conta. “Hoje eu não penso em questões estéticas, espero apenas que fique da melhor forma possível”, conclui.
O que é a ‘doença do silicone’
O nome “doença do silicone” é um termo derivado do inglês “breast implant illness”, que vem sendo utilizado por muitas mulheres para definir um conjunto de sintomas sistêmicos e inespecíficos que elas associam à prótese de silicone. Essa patologia não é descrita na literatura médica e nem reconhecida por órgãos como a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e a Americana.
“Isso porque não temos critérios de diagnóstico e nem exames para comprovar. É um termo leigo autorreportado pelas pacientes que se autodiagnosticam, muitas vezes, influenciadas por relatos que elas veem nas redes sociais”, descreve o cirurgião plástico Pedro Soler Coltro, professor do Departamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP).
O especialista, no entanto, afirma que isso não significa que os relatos não devam ser levados em conta. Ao contrário. “Isso precisa sim ser valorizado e tratado com respeito. O médico não pode duvidar do que elas dizem. Essas mulheres precisam ser acolhidas, mas também precisam saber que a verdade é que a ciência ainda não tem uma relação causal direta da chamada por elas de doença do silicone com a prótese”, salienta Coltro.
Mas o termo tem se popularizado justamente pela semelhança dos relatos: queda de cabelo, fadiga, cansaço, dor muscular, de cabeça, perda de peso, ansiedade e por aí vai.
O cirurgião plástico Fernando Amato, membro titular pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS) e da Sociedade Americana de Cirurgiões Plásticos (ASPS) destaca que o silicone pode causar, sim, algum tipo de reação no organismo.
Mesmo assim, nem sempre o explante é a solução. O professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto explica que a retirada da prótese não garante o desaparecimento dos sintomas.
Ele alerta que há casos em que a paciente faz o explante e os sintomas desaparecem completamente, e em outros, apenas melhoram. Portanto, ainda não dá para bater o martelo, pois não há estudos científicos revisado por pares que respalde a “doença do silicone”.
Um documento divulgado pela sociedade americana de cirurgia plástica alertou que depois que esse tema começou a se popularizar nas redes sociais aumentou o relato de pacientes que desejam fazer o explante. Dados da Global Statistics, realizada pelo International Society of Aesthetic Plastic Surgery (ISAPS) (Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica e Estética) mostraram que houve um aumento em cirurgias de explantes de 33%, entre 2016 e 2020, no mundo inteiro.
“E muitos cirurgiões estão com dificuldade para lidar com essa situação, porque eles foram pegos de surpresa por um termo leigo que começou a virar uma moda no nosso meio”, relata Coltro, o cirurgião e professor da USP.
‘Eu parei de ouvir, não tinha mais fôlego para falar e não conseguia andar’
A fotógrafa Daniela de Souza Cintra, de 47 anos, nunca teve vontade de colocar silicone, pois sempre gostou do formato e tamanho dos seios. Mas ela foi convencida pelas amigas de que “precisava” colocar e, após dois anos de espera, conseguiu. Era setembro de 2021.
“Quando fui ao cirurgião ele falou que eu tinha a mama bonita e que não precisava colocar, mas eu achei que ela não estava boa. Três meses depois eu tive que retirar em caráter de urgência”, lembra a fotógrafa.
Tudo começou logo após a cirurgia de implante, Daniela ficou com a glicose e pressão elevadas, mas, inicialmente, não associou à prótese. Cerca de três meses depois, o cabelo começou a cair muito e sentia fortes dores no braço que irradiava até o seio. Ela tentava massagear, tomava analgésicos, mas nada adiantava.
“Eu não sabia que isso era reação da prótese de silicone, mas era uma dor de enlouquecer”, relata.
A fotógrafa lembra que chegou ao ponto de não conseguir mais nem levantar o braço. E nos seios surgiram alergias. Ela teve tonturas, fadiga e perdeu a força.
“Eu ligava para o médico e falava que estava passando mal, que não estava enxergando direito com a visão acinzentada. Até que chegou um dia que eu parei de ouvir, alguém falava alguma coisa comigo e eu ouvia a voz muito longe, não tinha mais fôlego para falar e não conseguia andar. Tudo isso nesses três meses”, desabafa. “E o doutor falou que eu estava com síndrome ásia”, recorda-se.
O médico, quando viu seu estado, marcou o explante mamário para o primeiro horário do dia seguinte. Ele ainda chegou a sugerir que ela tentasse fazer outro implante depois, mas ela negou.
“Quando eu acordei da cirurgia já estava enxergando, ouvindo e andando normalmente. Já a dor no braço ainda permaneceu por uns quinze dias, mas também passou”, relata Daniela, acrescentando que não foi alertada sobre a possibilidade de síndrome ásia e nem de qualquer outro risco devido ao implante.
Daniela diz, ainda, que muitos médicos, mesmo após ouvir o relato da paciente, não associa os sintomas a prótese de silicone.
A síndrome ásia existe, mas é uma doença rara
Ao contrário da “doença do silicone”, a síndrome ásia é uma doença comprovada com critérios diagnósticos objetivos. Ela é tratada por cirurgiões plásticos e reumatologistas.
“Ainda assim, dentro dessa ciência, os cirurgiões têm mais dúvidas do que certezas, porque essa patologia é relativamente nova”, avalia Coltro, o professor da USP.
O nome síndrome ásia, que em tradução livre significa “síndrome autoimune induzida por adjuvantes”, é um conjunto de sintomas, normalmente, relacionados a doenças autoimunes. Os mais frequentes são dores nas articulações, dor muscular, rigidez, cansaço, dermatites, boca seca e alteração de sono. O diagnóstico é feito através de uma série de exames.
Esses sintomas são desencadeados por adjuvantes, um termo que define a exposição do organismo a um “corpo ou substância” estranha. Logo, uma prótese de silicone, um marcapasso cardíaco ou mesmo um medicamento, podem desencadear a síndrome.
Por isso, os especialistas afirmam que não há como garantir que uma mulher tenha desenvolvido a síndrome ásia somente pela prótese mamária, já que ela pode ter sido exposta a outros adjuvantes ao longo da vida.
“Mas quando a pessoa tem a síndrome ásia comprovada há a indicação de remover a prótese com o objetivo de melhorar os sintomas, porque tem casos em que a paciente faz o explante e os sintomas não melhoram, é claro que isso é mais raro, mas acontece. E as pacientes precisam ter isso em mente”, defende Coltro.
De acordo com Luciana Muniz, médica reumatologista, coordenadora da Reumatologia do Hospital Sírio-Libanês de Brasília, membro da comissão de Artrite Reumatoide e Tecnologia e Mídias da Sociedade Brasileira de Reumatologia e membro da diretoria da Sociedade de Reumatologia de Brasília, a síndrome ásia nem sempre vai originar doenças autoimunes, pois elas têm critérios facilmente preenchidos.
“Ela pode desencadear manifestações de doenças autoimunes, mas que não preenchem os critérios necessários para afirmarmos ser uma doença autoimune”, esclarece Muniz, lembrando que algumas doenças autoimunes podem ser hereditárias.
“Mas embora existe uma suscetibilidade, como para todas as doenças, isso precisa ser avaliado individualmente”, diz.
Os especialistas ressaltam, por fim, que esse é um tema extremamente complexo, que gera muitas dúvidas entre os próprios especialistas, e que estudos estão em andamento para definir melhor a relação entre o silicone e possíveis patologias.
“É uma doença muito pouco falada, explorada e que precisa da atenção dos médicos e, principalmente, das sociedades”, opina Amato.
Médicos devem alertar pacientes sobre riscos
Quando a paciente deseja fazer um implante, o médico tem o dever de informá-la sobre os possíveis riscos, já que a “parte boa” ela já sabe. Essa, de acordo com os especialistas ouvidos pela BBC, seria a conduta correta. No entanto, sabe-se que, em muitos casos, isso não acontece.
É importante dizer que, além da síndrome ásia, é possível que ocorram intercorrências comuns em implantes mamários. Uma delas é a chamada de contratura capsular.
“A capsula é uma cicatriz que se forma dentro do corpo quando a pessoa põe a prótese de silicone. Isso é uma coisa normal, porque o organismo entende que ela é um corpo estranho. E, ao longo do tempo, essa capsula pode começar a enrijecer e engrossar, prejudicando a estética e causando dor”, relata Coltro, o professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
A contratura capsular e ruptura são as principais causas para a realização da troca, embora nenhuma dure para sempre. “Mas hoje os géis não vasam porque mesmo que a capsula, ou seja, o invólucro do implante esteja rasgado, o gel do silicone mantém-se com a forma estável devido às tecnologias que se desenvolveram, justamente para evitar o vazamento de silicone”, salienta Alexandre Piassi, cirurgião plástico e membro do departamento de mídias da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP).
Próteses de silicone são fiscalizadas pela Anvisa
As próteses de silicone passam por um rigoroso processo de autorização para serem comercializadas no país. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é o órgão responsável por autorizar e fiscalizar a qualidade dos produtos.
“Os critérios para aprovação são extremamente rigorosos, inegavelmente, mais que o da comunidade europeia”, afirma o cirurgião plástico, Piassi. “A Anvisa é uma agência extremamente séria que tem um corpo técnico muito bem capacitado, que faz uma triagem muito grande de todos os produtos médicos”, completa.
A Anvisa ainda mapeia os estudos científicos que estão em andamento e investiga as queixas das pacientes em relação às próteses.
Piassi ressalta que ao menor sinal de risco, o órgão retira o produto de circulação. “A Anvisa realmente faz essa vigilância. Qualquer dúvida, ela manda recolher o produto do mercado”, diz.
Segundo a Anvisa, atualmente, existem 27 registros válidos de implantes mamários, regularizados por 13 empresas. “E em nosso banco de dados foram identificados 93 registros de implantes que não estão mais válidos. Ou seja, são produtos que não têm mais registro porque foram realizados cancelamentos dos mesmos ou porque não foram revalidados pelas próprias empresas detentoras”, disse o órgão em nota enviada à BBC.
Os especialistas destacam que a prótese é a única forma de reconstrução de mama para pacientes que tiveram câncer, por exemplo. “Hoje, no mundo, 90% das pacientes fizeram a reconstrução com implantes mamários”, ressalta Piasse, membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.
“E não existe porquê fomentar o explante, não tem indicação para isso. Apenas duas coisas podem indicá-lo, primeiro, o desejo da própria paciente e, segundo, por indicação médica, como de um reumatologista”, conclui o especialista.
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Fonte Notícia: www.bbc.com