O misterioso símbolo que atrai a humanidade desde os tempos dos homens das cavernas
- Beverley D’Silva
- BBC Culture
Elas são encontradas em toda parte — na estrutura de conchas do caracol, de pinhas, nas nossas impressões digitais; na escada em caracol da famosa Catedral de Saint Paul, em Londres, ou no lado interno e externo do Museu Guggenheim, em Nova York, nos Estados Unidos; na presa do narval ou mesmo no chifre do unicórnio; contorcendo-se em volta do centro da nossa galáxia e na dupla hélice do nosso DNA.
A espiral é uma das formas geométricas encontradas há mais tempo na história da humanidade — existem gravuras rupestres desses símbolos que datam do período neolítico — e é também um dos padrões mais comuns da natureza, observado no fluxo de escoamento da água até o olho do furacão.
Existem diversos tipos de espirais, como a logarítmica, descoberta por Albrecht Dürer em 1525; a espiral de Arquimedes, assim chamada em homenagem ao matemático grego do século 3 a.C.; a espiral de Fermat; e ainda a hélice e o vórtice, para citar alguns.
As espirais são onipresentes nas estruturas humanas nos campos da arte, design e arquitetura, tanto laicas quanto religiosas — como a Grande Mesquita de Samarra, no Iraque, que data do século 9, ou a escada em espiral do Museu do Vaticano.
E essa forma fascinante agora está na moda, com o iminente lançamento do que promete ser um novo arranha-céu icônico em Nova York. O Espiral é uma estrutura de 66 andares que se afila em direção ao céu no endereço 66 Hudson Boulevard, em Manhattan.
Seu custo de construção, incluindo o valor da compra do terreno, foi de US$ 3,2 bilhões (R$ 16 bilhões) e, com pouco mais de 300 metros, é um dos edifícios mais altos da cidade. Terraços verdes a céu aberto serpenteiam em volta da construção — átrios com o dobro da altura em cada andar, segundo a informação publicitária, formam “um híbrido único que se entrelaça em um caminho verde contínuo” em espiral ascendente.
Dominyka Voelkle, do escritório de arquitetura BYG NYC, responsável pelo Espiral, afirmou à BBC que o edifício tem “um perfil muito marcante — moderno e exclusivo, mas ainda com muito da ‘velha Nova York’, uma reminiscência dos arranha-céus com recuos escalonados, como o Rockefeller Center”.
O design biofílico do Espiral — que possibilita acesso ao espaço externo e melhora a qualidade do ar interno — presta sua colaboração. “O projeto ajudará os ocupantes a encontrar tranquilidade em um ambiente movimentado — e o verde está ali para acalmar ou oferecer uma pausa revigorante”, segundo Voelkle.
Árvores e outras plantas foram “aclimatadas” no campo antes de serem transplantadas para o clima mais severo de Manhattan até o plantio final. Se elas se derem bem e florescerem, o Espiral será “o primeiro da sua espécie e o jardim vertical mais alto do mundo”, afirma Voelkle.
Símbolo de ‘controle e liberdade’
Artistas de todas as eras já se inspiraram nas espirais. Leonardo da Vinci usou espirais em muitos dos seus desenhos, como nos de moluscos, sem falar na sua escada em espiral com dupla hélice no Castelo de Chambord, na França.
Já o artista contemporâneo Chan Hwee Chong, de Singapura, faz ilustrações de quadros famosos, incluindo a Mona Lisa de Da Vinci e a Moça com o Brinco de Pérola, de Johannes Vermeer, usando uma linha em espiral contínua.
Para a artista plástica franco-americana Louise Bourgeois, as espirais eram mais que um símbolo para brincar. Elas se incorporaram à sua psique, representando o ciclo de nascimento, vida e renascimento — e, às vezes, representavam a maternidade no seu trabalho.
Bourgeois, já falecida, relembrava como a espiral (como símbolo potente e, às vezes, violento) a impressionava desde jovem e influenciou seu trabalho na empresa de restauração de tapetes da família em Paris.
“A espiral é importante para mim”, afirmou ela em 1994. “É uma torção. Quando era criança, depois de lavar os tapetes no rio, eu os virava, torcia e contorcia… depois, eu sonhava com a amante do meu pai. Em meus sonhos, eu torcia o pescoço dela.”
Bourgeois disse que amava a espiral, que “representa o controle e a liberdade”.
A aranha foi outro motivo usado com frequência pela artista. Sua monumental escultura de aço em forma de aranha chamada Maman dominou o Salão Turbine da recém-aberta galeria Tate Modern de Londres, em maio de 2000. Outra das aranhas metálicas de Louise Bourgeois permaneceu em exposição por mais de 20 anos na marquise do Parque Ibirapuera, em São Paulo.
As espirais e as aranhas surgem em grande escala em uma exibição na Galeria Hayward, em Londres, que mostra a arte de Bourgeois em tecido. A exibição inclui uma escultura, Mulher em Espiral (motivo que ela visitava repetidamente), na qual a parte superior do corpo de uma mulher é capturada em uma espiral, como se fosse a presa de uma aranha gigante. Bourgeois descreveu o desenho como “uma secreção, como um fio na teia da aranha”.
Katie Guggenheim, curadora da exposição, comenta que a artista fez psicanálise por cerca de 30 anos, o que a influenciou ao longo das oito décadas da sua carreira. “De fato, algumas de suas obras parecem estar saindo de controle em espiral para a loucura”, destaca ela.
Uma obra que leva o símbolo da espiral para a natureza é a Plataforma Espiral, de Robert Smithson, uma obra de arte ambiental gigante em forma de espiral, que mede 4,5 por 4,5 mil metros. Construída com 6 mil toneladas de basalto na saída de um cais no Grande Lago Salgado, em Utah, nos Estados Unidos (onde certamente será destruída pela erosão), ela reflete a fascinação de Smithson pela entropia.
“Pode-se talvez observá-la como um símbolo cultural coletivo da emergência do feminino”, segundo o website do artista, que destaca que “a espiral caminha no sentido anti-horário, em direção ao inconsciente”.
O psiquiatra e psicanalista suíço Carl Jung, conhecido por seu trabalho com os símbolos, arquétipos e o inconsciente coletivo, escreveu: “a espiral na psicologia significa que, quando você faz uma espiral, você passa sempre pelo mesmo ponto em que esteve antes, mas nunca exatamente o mesmo; sempre abaixo ou acima, dentro ou fora, de forma que significa crescimento”. Jung visualizou o processo inconsciente como se movendo “em espiral em volta de um centro, que gradualmente se torna cada vez mais apertado, enquanto as características do centro crescem de forma cada vez mais distinta”.
‘Serpente de energia’
A fascinação com a consciência e a psique no Ocidente contribuiu, sem dúvida, para o crescente interesse pela meditação e ioga a partir dos anos 1960, como a prática de ioga kundalini, na qual a espiral desempenha um papel fundamental.
“Kundal”, em sânscrito, significa espiral ou bobina. Ela indica uma serpente de energia que se espiraliza através dos chakras.
Na medicina alternativa, a espiral representa a conectividade com o divino. Na cura pelo vórtice, ou terapia VortexHealing, acredita-se que uma espiral de energia divina seja trazida através do coração para manifestar-se na forma de cura e transformação.
Ainda po volta dos anos 1960, a arte psicodélica usou espirais e padrões em caleidoscópio para sugerir o efeito de drogas alucinógenas e alteração de consciência.
Aliado à influência da psicanálise, isso fica claro em filmes como Um Corpo que Cai (Vertigo, no título original em inglês), de 1958. Seu diretor, Alfred Hitchcock, usa espirais para sugerir a “espiral descendente” para a insanidade do seu protagonista, Scottie.
Já nos créditos de abertura, uma espiral girando em um olho estilizado nos hipnotiza, enquanto, no cartaz do filme, a silhueta de um homem cai em um poço de psicose. Uma escada em espiral desperta a vertigem de Scottie e a trilha sonora, composta por Bernard Herrmann, foi “construída em torno de círculos e espirais — de plenitude e desespero”, segundo o diretor de cinema Martin Scorsese.
E a espiral ou os olhos concêntricos são também a indicação dos animadores para a loucura ou hipnose, como na cena sinistra em que a serpente Kaa do desenho Mogli — O Menino Lobo hipnotiza o personagem-título para comê-lo.
Cativante e enigmática
A espiral serviu a um nobre propósito em 1963, dando nome a um coletivo de artistas afro-americanos de Nova York, o Spiral. Ele foi criado em consequência direta da Marcha sobre Washington por Trabalho e Liberdade, conduzida naquele mesmo ano por Martin Luther King Jr.
Liderados pelos artistas Romare Bearden, Norman Lewis, Charles Alston e Hale Woodruff, os 15 membros do coletivo pretendiam discutir como os artistas afro-americanos deveriam reagir às mudanças no cenário cultural e político dos Estados Unidos. Eles escolheram uma espiral de Arquimedes porque, “de um ponto de partida, ela se movimenta para fora, englobando todas as direções, mas constantemente para cima”.
A pintora Emma Amos, a única mulher (e a mais jovem) membro do Spiral, morreu em 2020. Mas o grupo ainda é celebrado: o designer de moda Duro Olowu descreveu na revista Vogue como ele foi “cativado” pelas cores vivas e ousadas da arte de Amos e por sua “capacidade de desafiar poderosamente o sexismo e o racismo… ao abordar o sexismo, o racismo e os estereótipos sobre o feminismo negro, seus quadros oferecem o tipo de resistência e otimismo pela mudança que é tão importante agora”.
A nova diretora de criação da casa de moda de luxo francesa Chloé, a estilista uruguaia Gabriela Hearst, escolheu recentemente um logotipo em espiral para identificar suas peças exclusivas mais requintadas. “As espirais estão na moda”, declarou a Vogue em resposta. “Um aceno para a circularidade, talvez? Nada é coincidência no mundo de Hearst; as hélices são o motivo mais cobiçado da próxima estação.”
O astrônomo Edward Hubble classificou as galáxias em quatro formatos: elíptico, lenticular, irregular — e espiral. E, de todas as galáxias descobertas até agora pelos cientistas, a maioria é do tipo espiral, definidas como “coleções torcidas de estrelas e gases, muitas vezes com belos formatos” pelo site space.com.
A própria Via Láctea — onde fica o nosso sistema solar – é uma “elegante estrutura em espiral, dominada por apenas dois braços que englobam as extremidades de uma barra central de estrelas”, segundo a Nasa Science.
As espirais são onipresentes, duradouras e infinitamente fascinantes, mas são também enigmáticas. Talvez por isso elas sirvam para interpretações que são, nas palavras de Jung, “cósmicas”.
Como os buracos negros, elas permanecem sendo um dos mistérios da vida.
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Fonte Notícia: www.bbc.com