Por que dormir de boca aberta na infância representa risco à saúde por toda vida
- André Biernath – @andre_biernath
- Da BBC News Brasil em Londres
De acordo com estudos publicados nos últimos anos, mais da metade das crianças dorme de boca aberta.
De tão frequente, esse hábito nem sempre chama a atenção ou liga o sinal de alerta de pais e tutores.
Mas médicos ouvidos pela BBC News Brasil destacam que dormir de boca aberta— que tem a ver com alergias, rinites ou o crescimento de estruturas que obstruem o nariz — pode fazer muito mal à saúde.
Essas crianças correm um risco maior de desenvolver as mais variadas complicações, que vão desde cárie e mau hálito a alterações posturais e dificuldade de aprendizado na escola.
Para piorar, esses efeitos deletérios não se limitam à infância: se a respiração pela boca durante a noite não é resolvida logo nos primeiros anos de vida, as repercussões negativas podem se prolongar por toda a vida.
Entenda a seguir o que está por trás dessa condição, todos os prejuízos à saúde e as principais formas de resolver o quadro quanto antes.
Como estrutura externa do sistema respiratório, o nariz tem uma função muito especial: aquecer, umidificar e filtrar o ar que entra pelas narinas.
Na contramão, quando a respiração acontece pela boca, o oxigênio não passa por esse tratamento especial antes de alcançar os pulmões.
Isso por si só já representa um risco. O ar que passa pela boca chega ao tórax cheio de impurezas, seco e numa temperatura inadequada.
“A respiração bucal aumenta o risco de infecções virais ou bacterianas e resfriados repetitivos”, diz o médico Alexandre Ordones, da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial (ABORL-CCF).
“O indivíduo também costuma sofrer mais com ardência, pigarros e muco preso no fundo da garganta”, acrescenta.
A boca aberta durante o sono terá efeitos ainda mais profundos na própria formação do rosto daquele indivíduo.
“Os ossos da face não se desenvolvem adequadamente, o que altera a fisionomia. A criança pode ficar com bochechas caídas, olhos tristonhos, olheiras…”, lista a otorrinolaringologista Saramira Bohadana, coordenadora do Programa Aerodigestivo do Sabará Hospital Infantil, em São Paulo.
“A própria arcada dentária também se altera. O osso maxilar [que dá suporte aos dentes superiores] fica muito fechado e projetado para a frente. Já a mandíbula não cresce como o esperado”, detalha a especialista.
Para completar, essas mudanças no crânio alteram o restante do corpo. “O pescoço acaba retraído, com o queixo para dentro, o tórax se torna encurvado e a barriga fica proeminente”, descreve Bohadana.
E, como se não bastassem todas essas alterações físicas, dormir de boca aberta também provoca consequências bem sérias no cérebro e no comportamento.
Apneia, notas ruins, irritação e xixi na cama
A criança que dorme de boca aberta frequentemente sofre com uma doença chamada apneia do sono.
Ela é caracterizada por interrupções na respiração durante o descanso noturno que, por sua vez, provocam pequenos despertares (muitas vezes, eles nem são percebidos conscientemente).
A questão é que esses microdespertares impedem que a pessoa chegue aos estágios mais profundos do sono, que estão relacionados à consolidação das memórias e do aprendizado.
Agora, imagina o efeito que isso vai ter num cérebro que ainda está em formação.
“Nós temos vários estudos mostrando que a criança que dorme de boca aberta tem um pior desempenho na escola”, revela Ordones.
O otorrinolaringologista conta que a falta de um sono reparador também está relacionado à diminuição do foco e ao aumento da irritação nos primeiros anos de vida.
“Não raro, recebemos no consultório crianças que foram diagnosticadas com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e até tomam remédios para controlar o quadro. Daí, quando resolvemos o problema da respiração pela boca, a irritação melhora e não há mais necessidade da medicação”, relata.
Por fim, Ordones acrescenta outro fator à extensa lista de consequências: o xixi na cama.
“O hormônio que controla a urina é fabricado durante o sono profundo. Se a produção dele não é suficiente, a criança pequena molha o colchão e muitas vezes não consegue abandonar as fraldas”, ensina.
Diante de tantos efeitos perigosos (e pouco conhecidos), chegou a hora de conhecer o que pode estar por trás dessa dificuldade de respirar pelo nariz entre os pequenos.
As ‘pedras’ no caminho
De forma geral, a respiração pela boca acontece porque as vias aéreas estão fechadas. Como o oxigênio não transita narina adentro, o corpo usa, então, um trajeto alternativo para manter os pulmões funcionando.
Um dos principais “bloqueadores” do nariz é a rinite, em que há uma reação alérgica a substâncias comuns do ambiente, como poeira, ácaro e pelos de animais.
Quando a pessoa está em crise, a mucosa do nariz engrossa, como resultado de um processo inflamatório, e fica inchada. Para completar, a produção de muco — o popular catarro — termina de entupir os tubos por onde o oxigênio passaria. O muco é produzido numa tentativa do corpo de englobar e expulsar o “agente” causador da alergia.
Outra causa frequente do fechamento nasal (e da necessidade de respirar pela boca) é o crescimento de um tecido chamado adenoide.
“Essa carne esponjosa fica na parte de trás do nariz e faz parte do sistema de defesa do corpo. Quando exposta à poluição ou aos agentes infecciosos, ela aumenta de tamanho e obstrui a passagem do ar”, diz Bohadana.
O inchaço de outras estruturas que ficam na face e no início da garganta, como as amígdalas ou os cornetos inferiores (aquelas “dobrinhas” que temos lá no fundo das narinas), também impede o trânsito do oxigênio nesta região.
Mas como pais e tutores podem suspeitar que a criança está dormindo de boca aberta?
“Na grande maioria das vezes, é possível ouvir um ruído, como o ronco ou uma respiração alta”, aponta Ordones.
“Outros sinais comuns são o travesseiro úmido pelo excesso de saliva que sai da boca e um sono muito agitado, daqueles que a criança se debate, roda na cama e acorda de cabeça pra baixo”, complementa o otorrino.
Antecipar o diagnóstico (e o tratamento) é fundamental
Independentemente de qual for a origem, os médicos insistem que descobrir o problema logo nos primeiros anos de vida traz benefícios para a vida toda.
“Se a gente faz intervenções antes dos quatro anos de idade, conseguimos reverter completamente a maioria das modificações ósseas e musculares”, destaca Bohadana.
Que fique claro: o tratamento pode melhorar a saúde e a qualidade de vida em qualquer faixa etária, mas os efeitos benéficos serão bem maiores quando ele é feito ainda na primeira infância.
Ao perceber qualquer sinal de que a criança dorme de boca aberta, portanto, o primeiro passo é buscar um otorrino para uma avaliação inicial.
No próprio consultório, o médico pode realizar exame chamado nasofibroscopia, em que uma pequena câmera é introduzida nas narinas para visualizar todas as estruturas internas e conferir se algo está inchado ou fora de lugar.
Se o problema estiver relacionado com a rinite, o tratamento envolve algumas mudanças no ambiente em que a criança vive (como eliminar carpetes, bichos de pelúcia e outras fontes de poeira e ácaro do quarto, por exemplo) e a prescrição de medicações que regulam a inflamação e aliviam as crises de espirros e nariz entupido.
Agora, caso seja detectado um aumento da adenoide (que não é revertido por completo com o controle da alergia), das amígdalas ou dos cornetos inferiores, é preciso partir para uma cirurgia.
“O procedimento é relativamente simples, a criança costuma receber alta no mesmo dia e a dor no pós-operatório é bem tolerável”, esclarece Bohadana.
“Em média, depois de sete dias a criança já está bem e recuperada.”
A otorrino reforça que, quanto antes a cirurgia for feita, melhores serão os resultados.
“Às vezes, os pais ficam com medo e preferem esperar o filho crescer um pouco antes de remover a amígdala ou a adenoide, até porque acham que isso pode prejudicar a imunidade”, comenta.
“Nós sabemos que, caso essas estruturas sejam removidas, outras partes do sistema de defesa podem suprir as necessidades.”
“E isso sem contar que a espera para fazer cirurgia pode piorar ou aprofundar todas aquelas sequelas da respiração bucal”, finaliza a especialista.
Além da intervenção com o bisturi, em muitos casos também é necessário fazer sessões de fonoaudiologia, com o objetivo de fortalecer os músculos do rosto e exercitar a entrada do ar pelas narinas.
Isso tudo garante uma respiração mais tranquila e saudável, que ocorra pelo resto da vida através do caminho mais adequado: o próprio nariz.
Veja no link abaixo uma reportagem completa sobre as causas e tratamentos contra a rinite.
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Fonte Notícia: www.bbc.com