Refluxo: por que alguns alimentos elevam risco
- Priscila Carvalho
- Do Rio de Janeiro para a BBC News Brasil
Dor na região do estômago, queimação e ânsia. Esses eram alguns dos sintomas que a estudante de educação física Emanuelle Carolina Pereira, de 21 anos, tinha ao sofrer com o refluxo (ou doença do refluxo gastroesofágico).
O refluxo ocorre devido ao retorno anormal do conteúdo do estômago (com pH ácido) ao esôfago, podendo atingir, em alguns casos, a laringe e a cavidade oral. Segundo especialistas, alimentos que provocam um maior relaxamento da musculatura da transição entre o esôfago e o estômago estão associados às queixas da doença. Assim, a ingestão de chocolates, cafés, refrigerantes, bebidas alcoólicas e frituras aumentam o risco de a pessoa desenvolver o problema. Entenda mais abaixo.
A condição se torna uma doença quando os sinais ocorrem ao menos uma vez por semana e atrapalham a qualidade de vida do paciente. Segundo especialistas ouvidos pela reportagem, cerca de 25% da população adulta sofre com o incômodo.
Emanuelle conta que se queixava desde bebê, mas que os efeitos maiores foram sentidos quando ela era adolescente. “Comecei a me alimentar mais com fast food e sentia ele voltando”, diz.
Três anos atrás, ela iniciou um tratamento de curta duração para amenizar os sintomas e fazer com que as crises diminuíssem. Ela mudou os hábitos alimentares e sentiu uma melhora no dia a dia.
No entanto, um ano depois de iniciar o procedimento, voltou a comer de forma errada, com alimentos gordurosos, e também sofreu com alguns efeitos colaterais da medicação.
Ao realizar uma nova endoscopia, exame comum que verifica alterações dos órgãos gastrointestinais, ela recebeu o diagnóstico de lesões no esôfago.
A estudante segue tratando esse novo sintoma e espera que os sinais do refluxo diminuam, já que atrapalham muito sua rotina. “Ele complica um pouco os exercícios que exigem mais força abdominal. Para comer também é ruim, pois dá muita sensação de queimação. Não é nada legal.”
Coxinha e café eram os grandes vilões
O aposentado José Félix, de 64 anos, também sofreu com a doença do refluxo gastroesofágico por anos. “Fã” de coxinha, café e comidas gordurosas, ele sentiu os efeitos da ingestão excessiva desses alimentos.
Os sinais ocorriam quase imediatamente depois de consumi-los e ele não se dava conta que estava desenvolvendo refluxo.
“Sentia muita queimação, soluço e, às vezes, era tão forte que dava até tontura quando eu me abaixava para pegar algo”, relembra.
Ignorando os sintomas por muito tempo e pegando receitas caseiras na internet — o que os médicos não recomendam— ele só procurou um gastroenterologista quando a condição começou a atrapalhar muito suas atividades no dia a dia.
Depois de alguns exames, recebeu o diagnóstico de refluxo e já estava desenvolvendo uma gastrite. Além da medicação, José precisou mudar seu padrão alimentar e levar a sério o tratamento.
“Parei com fritura e segui todas recomendações médicas. Depois de umas semanas, já senti uma grande melhora”, diz.
Até hoje o aposentado tenta seguir uma alimentação mais saudável e evita fast food e bebidas cafeinadas. Ele diz que às vezes é difícil resistir, mas que não deseja sentir os sintomas que tinha anteriormente.
“Se como uma coxinha até hoje não me sinto 100%. Então, evito.”
O retorno do conteúdo do estômago para o esôfago pode ser fisiológico ou, quando ocorre de forma frequente, é caracterizado pela doença do refluxo gastroesofágico.
“Em condições normais, existe entre o esôfago e o estômago um mecanismo de barreira anatômica e funcional, que pode ser influenciado por alguns fatores que acabam favorecendo a ocorrência do refluxo”, explica Helen Perussolo Alberton, médica do Serviço de Gastroenterologia e Hepatologia do Hospital Marcelino Champagnat, em Curitiba (PR).
Geralmente, maus hábitos alimentares são os principais causadores do problema. Os alimentos que provocam um maior relaxamento da musculatura da transição entre o esôfago e o estômago —conhecido como esfíncter esofágico inferior —estão associados às queixas da doença.
A ingestão de chocolates, cafés, refrigerantes, bebidas alcoólicas e frituras aumentam o risco de a pessoa desenvolver o problema.
“Estes têm seu tempo de digestão no estômago mais prolongado. As bebidas gaseificadas também aumentam a pressão dentro do órgão, piorando o refluxo”, ressalta Clóvis Massato Kuwahara, endoscopista e professor do curso de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
O tabagismo também aumenta a incidência da doença do refluxo gastroesofágico. Além do cigarro, o consumo excessivo de frutas cítricas como limão, laranja, maracujá e outras também estão associados à condição.
Quais são os sintomas?
Os sinais podem demorar a aparecer e é importante que assim que os primeiros sintomas surjam, a pessoa procure um médico gastroenterologista.
Os mais comuns são azia, queimação sentida geralmente atrás do peito, e a regurgitação, que é a percepção do retorno do conteúdo ácido em direção ao esôfago e boca.
O refluxo também pode se manifestar com sintomas atípicos como tosse, rouquidão, pigarro, sensação de afogamento, mau hálito e até desgaste do esmalte dentário.
Ele ainda pode comprometer órgãos extraesofágicos, diz a médica do Hospital Marcelino Champagnat.
Para receber o diagnóstico de doença, é necessário que o paciente faça consultas com especialistas e realize exames específicos como a endoscopia.
Como tratar o problema?
A abordagem inicial deve ser feita com mudanças comportamentais e alimentares.
Nesta primeira, é possível realizar com ações simples no dia a dia. Uma delas é respeitar os horários das refeições, realizá-las de três em três horas e evitar a ingestão excessiva de pratos pesados e calóricos antes de dormir.
Também é aconselhado elevar a cabeceira da cama para evitar o refluxo noturno e evitar possíveis engasgos.
Já na alimentação, é indicada uma diminuição do consumo de comidas e bebidas ricas em cafeína, gordura e acidez.
Em paralelo, sob orientação médica, o paciente pode tomar medicamentos antiácidos que auxiliam na melhora do “esvaziamento” do estômago. Normalmente, todo o tratamento pode durar seis meses.
Quando não ocorrem mudanças no quadro, a pessoa precisa realizar novos exames. Um deles é a manometria, que estuda a função motora do esôfago e avalia se o órgão tem algum tipo de fragilidade ou alterações nas funções peristálticas.
Eduardo Grecco, gastrocirurgião e endoscopista do Instituto EndoVitta, explica que a pessoa também pode ser submetida ao procedimento chamado phmetria, que mede a acidez gástrica e indica a quantidade ideal de remédio que o médico pode receitar.
Em alguns casos, há ainda alternativas cirúrgicas e endoscópicas indicadas para indivíduos que possuem um nível alto de acidez no esôfago.
“No caso de procedimentos cirúrgicos, é confeccionada uma válvula antirefluxo em volta do esôfago e o paciente fica um ou dois dias internado”, explica Grecco, que é coordenador do Serviço e da Residência Médica de Endoscopia da Faculdade de Medicina do ABC. Segundo ele, aproximadamente 80% dos pacientes apresentam resultado satisfatório e ficam sem sintomas do refluxo após o procedimento.
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Fonte Notícia: www.bbc.com